terça-feira, 20 de maio de 2008

O bom-humor do STF

Parece piada, mas não é. Quem ler o penúltimo informativo do STF - sim, caros leitores, esta é mais uma postagem predominantemente voltada para "especialistas"; conserto isso na próxima - não pode deixar de ver a notícia intitulada "Publicação em nome de advogado falecido" (clique aqui). A notícia refere-se a processo da Primeira Turma, o Recurso Ordinário em HC n.º 93.849, rel. min. Carmen Lúcia. Lembrem-se de que esta mesma ministra já participou de outro caso muito engraçado no mesmo tribunal quando descobriu - e extinguiu sem julgamento do mérito - que um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União tinha o paciente pré-morto havia mais de um ano... De qualquer modo, naquele caso, a ministra apenas constatou o que havia passado despercebido por outras instâncias. Neste sentido, ela, digamos, não "deu causa" à graça da história, apenas a esancarou. Neste caso de que agora tratamos, foi diferente. Vejamos.

O fundamento do pedido recursal é, em síntese, que a pauta da sessão de julgamento da apelação dos pacientes fora publicada em nome de advogado falecido dias antes. Como conseqüência, não pôde haver sustentação oral por parte da defesa técnica no processo originário. A tese parece plausível, mas não é isso o que mais importa. O que mais interessa é que a ministra Carmen Lúcia desproveu o recurso ao argumento de que "não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento de apelação interposta em favor do réu se o seu patrono vem a falecer antes do julgamento, sem que tenha havido a oportuna comunicação desse fato à turma julgadora". Para elucidar o raciocínio conclusivo, a ministra cuidou de explicitar a premissa maior: o Código de Processo Penal, no seu art. 565, veda à parte que deu causa à nulidade alegá-la, depois, a seu favor. O.k., também este artigo é bastante razoável e impede, por exemplo, que a parte requeira uma rogatória para Ruanda, sem justificativa plausível, e depois requeira a nulidade superveniente da prisão preventiva por excesso de prazo.

No entanto, vejam bem, não é disso que se trata. O que a ministra disse, aparentemente, foi que, ao morrer, o advogado/de cujus deu causa à nulidade da intimação publicada em seu nome, já que não (se) comunicou ao órgão julgador a (sua) morte, a fim de que pudesse proceder à retificação do nome do advogado na intimação por imprensa oficial. Abstraindo a interessante, mas nada engraçada, discussão sobre o que constituiria, em semântica jurídica, "dar causa" ou "causar" - certamente, a morte, um evento natural não parece poder ser imputada como "obra" de nenhum ser (humano) -, a questão que provavelmente se deve fazer sobre esta interpretação da ministra é a que uma advogada próxima de mim me sugeriu: vem cá, o tal advogado/de cujus deu causa à nulidade morrendo ou deixando de comunicar a sua própria morte ao tribunal competente? Neste útlimo caso, provavelmente foi falha do (arc)anjo Gabriel, mensageiro dos céus - se é que ele foi para os ceús, sendo advogado - e, definitivamente, não pode ser atribuída ao advogado...

(Em tempo: depois do voto divergente do min. Marco Aurélio, consignando que se tratava de nulidade absoluta, não validada, pois, pelo seu responsável/causador jurídico, o min. Carlos Britto pediu vista dos autos. O min. Carlos Britto costuma ser esteticamente muito denso e poético em seus votos: vamos esperar o que um caso destes reserva no seu voto-vista).

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

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