terça-feira, 17 de junho de 2008

E a resposta deste que vos fala...

Segue o miolo da resposta que dirigimos ao jornalista Lauro Neto, a propósito do seu desabafo publicado na postagem anterior:

"[...] o seu relato entristece, mas, para nós, que trabalhamos direta ou indiretamente com segurança pública, não chega muito a chocar. Eu, que sou advogado criminalista, já trabalhei em assistência jurídica gratuita nesta área, e vivo e leio de tudo sobre isso, já me convenci de que a mentalidade oficial apenas descreve o que realmente se passa por todo o Rio de Janeiro. Vida de pobre vale menos mesmo, como fez questão de mostrar, em alto e bom som, o nosso secretário de segurança ao se referir à diferença entre matar alguém no morro da Coréia e em um apartamento em Copacabana. O problema, a meu ver, é antes de tudo cultural – embora não exclusivo do Brasil, evidentemente –: brasileiro, cordial que seja, parece precisar de um inimigo interno definido – talvez para se definir psiquicamente como pertencente à comunidade, em face do “estrangeiro”, como já especulava Freud. Quando o inimigo ditadura foi (parcialmente) derrotado, o novo inimigo virou uma figura metonímica e metafórica, dependendo do caso: o “bandido” ou o “vagabundo”. Obviamente, para que a definição pela exclusão estereotípica funcione, é preciso que o “vagabundo” esteja sempre longe, seja sempre o outro, a fim, de resto, de que o nosso próprio sentimento de culpa não nos consuma inconscientemente.

A nossa política de segurança pública, especialmente no Estado do Rio de Janeiro, é uma lástima há muitos anos. Porém, parece, realmente, ter piorado muito nestes anos recentes, notadamente no governo Sérgio Cabral. O enfrentamento desordenado, determinado pela “opinião pública” e pela mídia que escreve para a Zona Sul, como se a aqui se resumisse todo estado – salvo raras e honrosas exceções como essa da sua matéria –, as operações desastradas e inúteis, as centenas de mortes de inocentes favelados com balas perdidas, as execuções mascaradas de legítima defesa contra resistência, enfim: tudo aponta para a falência deste sistema que parece sempre mudar para ficar sempre como está. Verdade seja dita, o Luiz Eduardo Soares sempre procurou apontar estas falhas. Alguns livros dele, especialmente o relato “Meu casaco de general” são particularmente elucidativos para mostrar o quanto é difícil mudar a cultura e a mentalidade institucional (?) na política de segurança pública do Rio de Janeiro, por mais que flagrantemente falida. Eu não sou foucaultiano, mas este quadro bem lembra as descrições históricas de Foucault sobre a afirmação da prisão como pena-padrão no Direito Penal Ocidental: sempre tão ineficiente – e reconhecidamente ineficiente –, mas, em que pese a isso, sempre vitoriosa e afirmada como única saída."

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Desabafo de um jornalista

Seguem excertos de uma mensagem que recebi, por e-mail, de um amigo, o jornalista Lauro Neto, de O Globo, sobre fatos que ele presenciou no trato que as "autoridades" públicas dispensam aos cidadãos cariocas:

"Caros amigos,
acabo de chegar em casa depois de um plantão que deveria ter durado sete horas, mas durou 14. Pois é. Jornalista não é médico, mas também dá plantão. Pois bem. Acompanhei o calvário de Liliam Gonzaga, uma favelada como outras tantas, que agonizou mais de 30 horas para achar o corpo do seu filho Wellington, morto pelo Exército em conluio com traficantes. Os detalhes, se vocês quiserem, leiam na edição desta segunda [dia 16 de junho de 2008] do Globo.
Durante seis horas, acompanhei a Via Crucis dessa mãe, que poderia ser a minha ou a de vocês, mas era só a de mais um favelado. A diferença é que essa mãe, mesmo na hora do sofrimento, mostrou-se generosa e solidária quando a acompanhei de carona em uma Kombi da 4a DP até um quartel do Exército no Santo Cristo. Ao descer do veículo, ela falou com um dos amigos que seguiam junto: "Paga a passagem do menino aí", referindo-se a mim. Até tinha dinheiro para pagar, mas, desnorteado, aceitei a demonstração de generosidade como quem aceita um chope pago por um amigo no buteco.
Essa mãe, que já havia perdido um filho há dez anos vítima de uma queda da laje, perdeu outro ontem, fuzilado com mais de 20 tiros. O que mais choca é que aqueles que deveriam zelar por nossa segurança estão por aí tirando vidas e se misturando com bandidos, tornando-se parte deles. Ontem, quando estava descendo o Morro da Providência, uma técnica de enfermagem falou a frase que resume meu sentimento desde o início do acompanhamento desse caso: "A ditadura voltou".
E não voltou apenas para os favelados não. Em frente ao quartel do Santo Cristo, um soldado apontando um fuzil para a gente ameaçou os fotógrafos dizendo que se tirassem fotos, iriam meter bala. Não por coincidência, não havia repórteres do jornal O Dia cobrindo esse caso. Vocês devem ter visto que uma equipe deles foi torturada no Batan por um grupo de milicianos.
Só não adianta chorar depois que a morte bater à nossa porta, que fazemos parte de uma elite que assiste a tudo silenciosamente. Aí não terá volta. Será igual ou pior do que há 40 anos.
Isso tudo, meus amigos, para pedir que cada um de vocês faça o que estiver ao seu alcance para mudar a situação em que se encontra o Brasil, e mais especificamente o Rio de Janeiro.
Desculpem o desabafo, mas temos que fazer algo para mudar o país e a cidade que serão habitados por nossos filhos."

quarta-feira, 4 de junho de 2008

"Otoridade"

É interessante como pequenas práticas e usos lingüísticos revelam tanto sobre uma cultura. Isso não é, obviamente, conclusão minha. Muitos autores, principalmente entre antropólogos e lingüistas, buscavam, no uso da língua a chave para compreender a cultura. Isso fundou um método muito famoso em ciências humanas e sociais - a análise do discurso -, permitiu um grande avanço na antropologia estruturalista do início e do meio do séc. XX, e transformou-se em conceito básico de lingüística, a "hipótese de Sapir-Whorf", intitulada de acordo com os dois lingüistas que popularizaram a teoria das implicações recíprocas entre cultura e sistema lingüístico.

Esta muito sumária - e, pois, perigosa - esquematização teórica serve para contextualizar uma conclusão muito sutil a ser tirada de um evento muito grotesco. A maioria dos leitores - certamente todos, dentre os que acompanham futebol - viu a confusão do fim-de-semana passado na partida entre Náutico e Botafogo, no Estádio dos Aflitos, em Recife (PE). Um jogador do Botafogo, visível e excessivamente nervoso, após ser expulso de campo, hostilizou a torcida adversária com o famoso gesto (obsceno?) fálico do dedo médio em riste contrastando com o resto dos dedos recolhidos ao punho. Como a troca de hostilidades entre jogador e torcida continuva, mesmo com o jogador expulso, a Polícia Militar local achou por bem intervir para procurar, digamos, demover o referido jogador botafoguense da idéia de continuar a "intercambiar" gestos agressivos e xingamentos com a torcida adversária. O jogador, por sua vez, diante da abordagem, digamos, "invasiva" da PM de Recife, passou a, também ostensivamente, se recusar acompanhar os policiais. Chegou mesmo a obter ajuda física de seus colegas de time, diante da tentativa de praças da PM de imobilizá-lo à força. Bem a história continua e tem suas nuanças interessantes, que, no entanto, são mais bem vistas em imagens (para ver as imagens, clique aqui). O que aqui nos interessa é que, ao final, o tal jogador acabou preso, junto do presidente do clube. E o que ainda mais nos interessa é como a mídia e os debates e conversas públicas informais nomeavam o crime de que fora o jogador acusado: desacato à autoridade.

O Código Penal brasileiro vigente é híbrido: metade dele, a primeira metade, que dita as normas gerais do direito penal, por isso chamada "Parte Geral", é fruto da Lei n.º 7.209 de 11.07.1984. A segunda metade, que define os crimes e prevê as penas, suas causas de aumento e diminuição, por isso chamada "Parte Especial", permanece predominantemente, a do Decreto-Lei n.º 2.848 de 07.12.1940. Obviamente, o momento político e jurídico do Brasil mudou - talvez não tão radicalmente - nos mais de 50 anos que separam as duas datas. Mas o crime em questão estava previsto desde 1940 no atual código. Fora, por aquele decreto-lei, batizado com nome simples: desacato, no art. 331. Mesmo estando o Brasil, naquele dezembro de 1940, imerso no auge de uma ditadura de orientação fascistóide, mesmo assim o crime não foi previsto como "desacato à autoridade", mas, simplesmente, como desacato. Aliás, pode ser vítima deste crime qualquer funcionário público, quer possua ou não autoridade discricionária alargada. Desde o oficial de cartório, até o presidente da república, passando pelo atendente do protocolo, pelo secretário, pelo titular de função pública temporária; enfim, todos os funcionários públicos (a definição legal está no art. 327 e parágrafo único do Código Penal) podem alegar ter sido vítimas de desacato, e qualquer pessoa pode cometê-lo.

No caso do jogo de futebol, aparentemente, a vítima de desacato foi uma policial militar que fazia o policiamento ostensivo dentro do campo de jogo. Por estar nesta função, presume-se que ela seja praça, e não oficial, razão pela qual é discutível que ostentasse a posição de autoridade. Se ser autoridade fosse elemento essencial do crime de desacato, provavelmente não haveria crime neste caso - e o jogador do Botafogo teria saído sem maiores dores de cabeça do Recife. No entanto, em um país em que todos são doutores - do advogado ao fisioterapeuta -, também todos têm de parecer ser - ao menos no Código Penal - autoridades. Será que, um dia, vamos todos querer ser cidadãos?

João Pedro C. V. Pádua

(www.melaragnocpadua.com.br)

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Um grande abraço,

Breno Melaragno Costa e João Pedro C. V. Pádua

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Bandidos e mocinhos (ou a derrocada do "cidadão-de-bem")

(Esta postagem é dedicada ao meu grande amigo e longevo defensor dos direitos humanos Leonardo Castilho, que me cobrou uma posição sobre o assunto. Então, vamos lá.)

Normalmente, advogados criminalistas tendemos a nos posicionar a favor da defesa, quer dizer, a favor dos acusados. Chamem a isso cacoete profissional ou qualquer outro nome, fato é que, a princípio, a maioria dos advogados, acostumados a trabalhar pelo acusado, procuramos apontar falhas na acusação, ou a necessidade de relativizar alguns desejos sócio-culturais vingativos e maniqueístas, normalmente fomentados por uma cultura da luta entre "bandidos" e "mocinhos", em que todos nós, ocidentais, acabamos, normalmente por bons motivos - afinal, temos de aspirar a ser "mocinhos", para a boa ordem social - , socializados. A crença no absoluto deste binômio, no entanto, costuma trazer grandes decepções e grandes hipocrisias.

De todo modo, quando nós, advogados criminalistas, começamos a fazer um discurso semelhante ao que ensaiei acima, logo vem, da maioria do nosso meio de "cidadãos-de-bem", uma dura crítica, quando não uma irada saraivada de insultos, que vão desde "defensor de bandidos" ou "adepto de fascínoras" - como diria o folclórico ex-deputado, não tão saudoso, Amaral Netto -, até o tradicional argumento retórico, "e se fosse a sua(eu) filha(o)?".

Quando confrontados com uma situação como estas, em debates formais ou rodas de bar, nós, advogados criminalistas, constrangidos, constumamos argumentar que, em primeiro lugar, este tipo de indignação, fruto de uma mescla de desejos incoscientes, afetos e sentimentos mais ou menos conscientes, casa bem com o sujeito vítima de crime, ou com seus próximos, mas não pode ser critério de gestão política em segurança pública, muito menos critério para princípios que norteiem a legislação penal. Políticas públicas e legislação têm de ser fruto do debate mais consciente - e, logo, racional - possível, aberto aos plurais pontos-de-vista sociais, inclusive as histórias pessoais de vitimização, mas nunca feitos com base somente nestas últimas, aos moldes do improviso, de fragmentaridade, e do imediatismo que Luiz Eduardo Soares tanto e tão bem criticou nas políticas de segurança pública brasileiras.

Também procuramos argumentar, no plano mais jurídico, que um estado de direito, ou seja, um estado que funciona sob regras jurídicas democrática e previamente concebidas para a delimitação da atuação do poder coercitivo (legítimo, pois) do estado; o estado de direito necessita de algumas garantias formais contra o abuso, possível e historicamente constante, do poder de punir que este mesmo estado detém em face de quem tenha cometido um crime. Nesta linha de garantias, incluem-se a vedação à punição anterior ao fim de um processo penal, a igualdade de armas no processo entre acusação e defesa, a ampla liberdade probatória, a imparcialidade do julgador e, para o que mais no interessa - já veremos por quê -, a vedação à consideração da culpa de alguém, antes que um processo penal democrático tenha transcorrido até o final (normalmente referida como presunção de inocência). Afirmamos, além disso, que estas garantias não foram feitas "para proteger (direitos humanos de) bandidos e fascínoras", mas, ao contrário, para garantir a maior taxa possível de legitimidade das condenações penais, obtida esta legitimidade ao custo de que se evite ao máximo que alguém seja processado e condenado à prisão por um crime que não cometeu.

Como, finalmente, a esta altura, não conseguimos convencer mais do que uma meia dúzia de interlocutores, já que temos uma concorrência quase-desleal com os verdadeiros romances exibidos pela grande mídia, tendentes a fazer qualquer pessoa se ver na qualidade de vítima de crimes bárbaros, mesmo que more no Leblon e nunca tenha sido sequer furtada na vida; a esta altura, nós, advogados criminalistas, lançamos mão de dois outros argumentos sentimentais de contra-retórica: o primeiro, o de que os tais "mocinho" ou "cidadão-de-bem", embora ficções necessárias para a socialização de bons cidadãos, cumpridores da lei, não passam disto: ficções. Não existe o "cidadão-de-bem" e a mera referência ou auto-referência nestes termos somente mostra o quão seletiva é a criminalização das pessoas. Um série de condutas bastantes corriqueiras e mesmo toleradas socialmente - algumas graves, algumas nem tanto - é crime segundo a lei brasileira, do gesto obsceno aos crimes tributários, passando por crimes contra a honra, câmbio ilegal e corrupção, e a maioria, senão a totalidade dos auto-proclamados "cidadãos-de-bem" já praticou alguma delas. O único motivo pelo qual não foram presos ou processados é que eles não são a "clientela" do sistema penal, não são normalmente etiquetados como "criminosos" e não têm os holofotes das autoridades penais voltadas para si. Neste sentido, crime comete o outro: o que nós fazemos é "sobreviver" neste "estado desorganizado e voraz", e perante esta "sociedade caótica", em que "ninguém respeita mais ninguém"...

Como este argumento é meio bombástico e razoavelmente mal-recebido, o nosso segundo argumento contra-retórico é perguntar, na linha dos nossos críticos, "e se o seu(ua) filho(a) ou parente próximo ou amigo próximo fosse acusado de crime?" Certamente, todos os nossos interlocutores respondem que quereriam um processo justo, com garantias e igualdade, especialmente contra prisões arbitrárias e desnecessárias, bem como contra invasões excessivas ou indevidas sobre a privacidade ou os bens do acusado.

E eu falei tudo isso, Leo e todos os meus leitores, porque vou, agora, e rapidamente, defender o Álvaro Lins - processualmente, haja vista que não conheço o teor das investigações. Não sem antes tripudiar um pouquinho é verdade. Afinal, ele não está me pagando para defendê-lo. Pois é, quem lembra do Álvaro Lins como chefe de Polícia Civil, lembra da sua gana de vociferar contra os "bandidos", contra "os marginais", que deveriam ser impiedosamente perseguidos e punidos. Em mais de uma manifestação oral ou escrita ele defendeu a "tolerância zero" para a "bandidagem" e bradou a favor de punições mais severas. Mas eis que o mundo dá voltas e quem foi o criminoso da vez? Álvaro Lins. Acusado de uma série de crimes, que incluem corrupção passiva, lavagem de dinheiro e quadrilha, o ex-chefe de Polícia Civil do nosso estado acabou preso em flagrante, pela Polícia Federal, no apartamento onde mora, durante o cumprimento de mandado de busca-e-apreensão.

Mas eis que, de novo, quis o irônico destino que Álvaro Lins fosse vítima de uma prisão em flagrante totalmente, completamente, indubitavelmente, arbitrária e ilegal. Ora, pelo que vimos nos jornais - o.k., sei que sempre plantei a dúvida sobre estas notícias, mas não temos nenhuma outra fonte a que recorrer, no momento -, o flagrante se constituiu, na leitura lamentável da autoridade policial federal que presidia o ato, pela descoberta de documentos que indicavam ser o apartamento onde se encontrava o nosso personagem objeto de lavagem de dinheiro. O detalhe óbvio é que a lavagem de dinheiro, se de fato ocorrida, ter-se-ia dado algum tempo antes. Ora, de novo, como diria o Conselheiro Acácio - que, certamente, ao contrário de alguns membros da Polícia Federal, leu o Código de Processo Penal brasileiro (CPP) -, requisito básico do flagrante é a flagrância; isto é: a ocorrência do crime quase que imediatamente anterior à, ou no momento da, declaração da prisão. Não é flagrante a descoberta de indícios da ocorrência de um crime dias, semanas ou meses antes, não importa o quão fortes sejam ditos indícios. Verdade, o CPP até prevê uma hipótese de flagrante presumido (art. 302, IV), mas, também aqui, é preciso que a prisão seja, como diz o código, "logo depois" de ter cometido o crime, e que o preso esteja portando coisas que façam presumir ser ele o autor do crime, cometido logo antes. E isso não tem nada que ver, ao contrário do que pensaram os nossos zelosos deputados estaduais, com o fato do crime ser ou não "inafiançável" - até porque não são só inafiançáveis os crimes assim declarados pela constituição, mas também os assim enquadráveis nos critérios do art. 323 e 324 do CPP.

A prisão do - e o processo penal contra - nosso combativo ex-chefe de Polícia Civil, então autoridade máxima encarregada de investigar ilícitos penais, é, felizmente, uma grande morte simbólica ao "cidadão-de-bem". O fato de que ele tenha sido preso ilegalmente é, infelizmente, uma grande morte simbólica do estado de direito.

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)