quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O caso Ezequiel Toledo

Muitos aqui não devem ter ligado o nome à pessoa. Por força do estigma - essa rotulação social negativa que entra na imagem social de uma pessoa sem que ela tenha qualquer controle sobre isso -, por força do estigma, eu dizia, o sujeito que dá título a esse Post será sempre o "assassino do menino João Hélio", talvez durante toda a nossa geração (ou enquanto a mídia se lembrar desse caso).
Eu não vou contar a história aqui. Quem tiver interesse nela, é só colocar "João Hélio" no Google (ou um site de busca qualquer), que vai encontrar uma infinidade de referências (209.000 na minha pesquisa). O fato é que, resumidamente, o tal do Ezequiel, o "assassino do menino João Hélio", foi um dos vários membros de um grupo que, ao roubar um carro, três anos atrás, fugiu no veículo levando esse menino (João Hélio) preso no cinto de segurança, que a mãe não conseguiu soltar a tempo (até porque o grupo que praticou o roubo não esperou ela conseguir soltar). O menino foi arrastado durante aproximadamente sete quilômetros e, como todos sabemos (quer dizer: imaginamos), morreu uma morte horrível.
Pois bem: os outros membros da quadrilha, todos maiores, foram levados a júri e condenados a penas bastante altas (acho que mais ou menos 45 anos de prisão, cada um). O tal do Ezequiel, por ser menor de 18 anos na data dos fatos, foi levado à Justiça de Menores, onde foi condenado à pena (que lá tem o nome de "medida sócio-educativa", mas é pena) mais grave prevista para menores: a internação.
É um fato interessante e que mereceria estudos sociológicos qualitativos o fato de que o tal do Ezequiel, o único menor do grupo e que, portanto, se deveria presumir menos experiente, menos maduro, menos capaz, enfim: menos autor do crime; foi ele quem levou a maior parte do estigma - o que se nota justamente pelo fato de que, embora fosse um grupo de criminosos, só ele recebeu, no singular, a qualificação de "assassino do menino João Hélio".
O que mais interessa aqui, no entanto, é o seguinte: em outras postagens desse blog, eu já tinha comentado a complicada relação entre mídia, opinião pública e Justiça Penal. Eu ressaltei, principalmente, a diferente concepção que esses três espaços sociais tinham na construção da noção (social) de tempo e a difícil relação que se poderia estabelecer entre tais construções. Nós, juristas e criminólogos, nunca tivemos dúvida sobre o quão perniciosa pode ser essa diferença de concepção de tempo entre a mídia (tempo imediato, reativo, voltado para o presente) e a Justiça Penal (tempo mais pausado, alongado, reflexivo, voltado para o passado, com vistas ao futuro). Todos sabíamos que essa contradição temporal poderia influenciar no julgamento de um fato qualquer, forçando um enquadramento dos fatos em que a presunção de inocência prevista na nossa constituição fosse sensivelmente enfraquecida, se não invalidada.
O que nós não sabíamos era que a mídia era capaz de revogar decisão judicial. O tal do Ezequiel tinha cumprido o prazo máximo de internação previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (três anos) e tinha sido liberado para tentar se readaptar à vida em sociedade. Como, durante o seu período de internação, ele teria sido violentado e ameaçado - as cadeias e instituições de prisão também têm os seus próprios códigos de conduta, com penas de morte, inclusive -, o tal do Ezequiel foi incluído, por decisão judicial, num programa de proteção à vida vinculado a uma ONG (privada, que eu saiba), que tentaria ajudar a mantê-lo vivo e a ser readaptado à vida em sociedade, a fim de evitar que ele tentasse roubar ou matar alguém de novo.
Foi a deixa para que a "sociedade" ou a "opinião pública" entrasse em ação. A reclamação comum era a de que ele estaria "ganhando um prêmio", apesar do que ele "tinha feito ao menino João Hélio". É compreensível que a família da vítima tenha um sentimento de profundo rancor contra o tal do Ezequiel e, no fundo, queira mais é vê-lo morto, tal como a sua conduta ajudou a matar o filho deles. Agora, que a sociedade em geral feche os olhos para o óbvio fato de que manter o tal do Ezequiel preso só vai atrapalhar qualquer esperança que possamos ter na sua recuperação psicossocial e consequente reinserção na vida em sociedade, isso sim é muito preocupante.
Ainda mais preocupante é que um juiz de carreira - na verdade, um juiz e um desembargador -, justamente uma autoridade do poder do estado, o Judiciário, que não precisa - nem pode - ter medo da opinião pública tenha revogado a sua decisão e mantido o tal do Ezequiel vinculado a uma medida sócio-educativa (semiliberdade), a fim de aderir a um sentimento difuso e violento de vingança que, do ponto de vista utilitário, só nos vai trazer problemas. Afinal, um dia o tal do Ezequiel vai voltar para as ruas, não importa o quanto nos esforcemos para mantê-lo dentro de instituições (quase-)prisionais. E, daí, o que nós vamos querer: que ele espontaneamente e sem incentivo se torne um cidadão excepcional? - tal como se esperava em 1888 que os escravos libertos simplesmente se inserissem no núcleo da sociedade brasileira? Qual é o limite da punicão de algum sujeito apenas como retribuição pelo mal que ele tenha causado à sociedade? E o que a difusão dessa ira vingativa a pessoas que nunca conheceram nem João Hélio nem Ezequiel diz do nosso estágio de civilização?

Estamos de volta com o blog!

Depois de um ano conturbado, estamos de volta com o blog. O espírito é o mesmo: informação jurídica de qualidade, sobre a área penal, para especialistas e não-especialistas. Esperamos os comentários de todos! Grande abraço, Breno e João Pedro