quarta-feira, 23 de abril de 2008

A Marcha da Maconha


Não sou a favor da legalização das drogas. Penso que o álcool já causa transtornos individuais e coletivos suficientes, e por motivo histórico que acabou econômico, restou droga liberada. Refiro-me agora aos classificados como entorpecentes.

Digo isto de antemão para que o leitor não se arme de preconceito com o que certamente deu causa ao assunto ora tratado. A prisão daqueles que organizam a tal “marcha da maconha”.

Os jovens panfletavam para chamar as pessoas à reflexão e participação de um movimento legítimo, pela descriminalização do uso da canabis sativa. Ninguém convidava a consumir o entorpecente, mas sim a aderir a corrente que defende a exclusão da canabis do rol de entorpecentes.

Tal não foi o entendimento dos Policiais Militares que os prenderam e do Delegado de Polícia que os autuaram em flagrante delito.

Bom, o mesmo terão que fazer com pessoas de um movimento a favor do aborto. Porque não fizeram, não fazem e não farão? Puro preconceito.

Para configurar crime, conforme artigos 286 e 287 do Código Penal, os jovens que panfletavam deveriam estar incitando ao consumo da maconha ou enaltecendo seu consumo ou quem o consome. Nada disso.

Em edições anteriores, em que até o Deputado Federal Fernando Gabeira (PV) participava, ao contrário deste ano pois é pré-candidato à Prefeitura do Rio, em nenhum momento elogiavam o consumo da maconha, ou aconselhavam as pessoas a consumir. É apenas uma correte de pensamento que defende a legalização de seu uso.

Repito, não sou a favor da descriminalização, mas no caso a prisão foi arbitrária e se deu por flagrante preconceito. Os integrantes do movimento demonstraram saberem não só que o consumo é crime, como também a apologia ou a incitação também serem. E não ultrapassaram este limite.

Se amanhã eu sair na rua com uma camisa escrita “sou a favor da descriminalização do aborto”, estou exercendo liberdade de expressão consagrada na Constituição e dificilmente algum policial me prenderá. O mesmo não se dá em relação a alguma droga penalmente proibida.
Puro preconceito.

Em um estado democrático de direito o cidadão pode expressar sua opinião e defender que determinada ação ou omissão não seja punível criminalmente, por mais que por ora seja.
A prisão de quem panfleta para um evento que visa pleitear a descriminalização de algo, alem de ilegal, é verdadeira censura à liberdade de opinião e expressão. No caso eivada de preconceito relativo às drogas, cujo assunto certamente renderá vários textos aqui.
BRENO MELARAGNO COSTA
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MARQUE O TEMPO - ou pratica o crime



À mídia interessa vender jornais, revistas e principalmente audiência, seja de TV, rádio ou de acesso à internet. Despertar na população algum sentimento torna-os dependentes destes produtos. Se o sentimento for intenso e durar algum tempo, mais garantido o êxito e melhor. Quanto mais forte e duradouro, maior o lucro.

Não condeno a imprensa por isso, já que todos têm que sobreviver. Muito menos o povo, sugestionável por natureza, que também têm que sobreviver, massa propícia à adoção de soluções imediatistas por serem leigos no assunto e em geral qualquer.

Está formado o ciclo: cobertura do fato, sensacionalismo – que nada mais é que despertar na população algum sentimento profundo -, revolta, julgamento popular sumaríssimo – sério risco de linchamentos – pressão sobre polícia, governo e judiciário – sobre o legislativo vem logo após.
O risco de se culpar midiática ou juridicamente algum inocente está configurado. Geralmente já há a primeira, com conseqüências que jamais poderão ser reparadas. O caso mais emblemático foi aquele da escola no interior paulista. Após a mídia denunciar abusos sexuais com crianças e seus diretores e professores serem perseguido e quase mortos, constatou-se ser tudo mentira.

Vivi isso de dentro por vezes, mas a principal das experiências se deu quando ainda era estagiário de direito. Um caso no Rio que na época gerou intenso clamor público. Cheguei um dia no escritório e comentei com meu então chefe sobre o caso, o que havia lido nos jornais e visto na televisão. Após trocarmos idéias, ele me disse que o caso estava nas mãos de um criminalista amigo dele. Ao retornar ao escritório depois de mais um dia de fórum e delegacias, eis a surpresa: o amigo havia o convocado para atuarem juntos. Na mesma noite estava eu, estagiário, aparecendo na TV na prisão do coitado, há treze anos, fato que acabei revendo há três anos num programa de televisão. Todas as reportagens sobre o caso traziam dados irreais, mentirosos, que não estavam nos autos do inquérito policial. Nele as únicas provas que apontavam ao nosso cliente eram no mínimo muito duvidosas e a maioria produzida. Depoimentos tomados sob pressão, perícias falsas e reconstituição programada eram a tônica das investigações policiais. Tudo para proteger alguém. O Delegado de Polícia, que deveria ser imparcial para apurar a prática do crime, prometeu ao meu então chefe “comer a carteira se não conseguisse uma condenação para o fulano”, cliente. Como acabou absolvido, este meu antigo chefe dizia que convidaria o Delegado para almoçar...

Desde então desconfio do que é noticiado na imprensa. Ou seja, se aquele veículo de comunicação está sendo fidedigno aos autos e, em outras palavras, se o que está sendo afirmado é o que a polícia realmente fez e concluiu, se é a verdade (pelo menos processual).
Bom, devido a este meu trauma, nada mais natural que desconfie do que está sendo dito no caso Isabella Nardoni.

Não acho o trabalho policial mal feito. Concordo, porém com a desnecessidade da prisão temporária. Esta, para quem não sabe, se dá pela necessidade da investigação policial. Ouvi gente dizendo que com isso eles não combinariam versões. Ora, preso não é incomunicável – ao contrário de ditaduras – e seria perfeitamente factível combinarem versões mesmo presos. Não tenho dúvida de que a prisão temporária se deu – como na maioria esmagadora se dá - como amostra para a mídia. Tanto é que o Desembargador do TJ de São Paulo a revogou após nove dias, não só por desnecessidade, como por ausência de indícios mínimos de autoria, o que fez questão de frisar. A polícia, no entanto, joga com o seguinte: “agente prende e a justiça solta”, como se a prisão já fosse uma condenação, coisa que a população não sabe. A população, de maneira equivocada pela falta de informação, crê que a prisão cautelar se dá pela culpa.
Da mesma forma, penso que a autoridade policial deveria ter isolado o local, conforme o Código de Processo Penal, o que não foi feito e que ensejou a realização de diversas perícias com o local já desfeito.

Pior é a famigerada “prova” que a imprensa a todo tempo suscita como contradição entre os horários fornecidos pelo casal. Alguém em uma situação comum, voltando do supermercado, vai precisar exatamente a que horas chegou em casa ou em quanto tempo subiu e desceu? Contradição porque um disse 11:20/11:30 e outro 11:30 ? Porque um disse que ficaram tanto tempo em tal lugar e outro disse diferente? Esta “prova” tão explorada pela mídia leva certamente a uma absolvição. Fato é que a imprensa, em julgamentos ditos como debates ou informativos de jornais escritos ou televisionados, acaba no afã do sensacionalismo explorando irracionalidades como esta. Se incompatibilidade de tempo entre uma ação natural e outra dada por cada ente do casal for considerado prova, como tanto tem dito a mídia, tendo a considerar o casal inocente.

Mas como ia dizendo, não acho que o trabalho policial fora mal feito. Quero saber se o que está sendo dito pela imprensa é realmente o que está no inquérito. Ademais de ter tido sangue no carro, segundo a imprensa, depois não ter tido, depois ter tido novamente e por fim não saberem se houve sangue ou não, quero saber o resultado e se a perícia fez de forma competente e imparcial.

Apenas não abro mão da crítica no caso ao Ministério Público. Sabemos que pode acompanhar o inquérito e até requisitar diligências policiais, pois ao fim a ele se destina, mas desde o início externar convicção que só deve ser formada ao final, torna-o suspeito para exercer a acusação.
Vejo a população convictamente revoltada com o casal suspeito. Por favor, não me refiro às pessoas que ficam de plantão na porta da casa deles ou da delegacia, pois é claro que são tietes propositadamente histéricas para aparecer na televisão – como até flagrado pela TV Globo (uma senhora falando para outra “quero aparecer na TV”). Refiro-me às pessoas que trabalham e não têm tempo para isso, que têm certeza da culpa do casal. Pessoas de bom senso geral, digamos assim, e que formam suas opiniões com os fatos da mídia, apenas. Querem linchá-las, assassiná-las, num afã justiceiro sem ao menos parar e ver que por ora não há prova para isso. Claro que não descarto a possibilidade de culpa do casal e até de que eles hoje são os principais suspeitos. Mas hoje, simplesmente os principais suspeitos.

Independente da culpa dos Nardoni, estamos diante mais uma vez de algo perigoso. Voltemos à equação inicial. Caso sejam inocentes, existe ainda hoje essa possibilidade, imagine o terror que estão vivendo. Ele perdeu uma filha assassinada e ainda acusado disto. Ela tem duas filhas e a tinha como outra. Eles não podem sair na rua, pois serão mortos. Desnecessário narrar o que os familiares estão vivendo. Desnecessário explicar a injustiça. Podem ter sido os autores, mas não há provas suficientes para esta execração pública. Aliás, independente disso, nada a justifica.

Gostaria de confrontar aqueles que bradam por impunidade, com a realidade do sistema penitenciário nacional, para refletirem se tantos anos são realmente poucos para aquele crime. Não levo em conta os que consideram a pena de morte, mas aqueles que como todos os mortais cometem crimes, em tese, todas as semanas (atenção aos contra a honra).

Sinceramente, por fim, torço neste caso Isabella, para que o casal seja inocente e principalmente que isso advenha da forma mais clara, rápida e inconteste possível. Torço porque seria uma grande lição para o amadurecimento da população e da mídia. Aliás, há quanto tempo você está lendo este texto?

BRENO MELARAGNO COSTA
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quarta-feira, 16 de abril de 2008

Isabella e Garapon

O juiz francês Antoine Garapon, embora pouco conhecido no Brasil, é muito influente no meio intelectual daquele país. Editor da prestigiosa revista acadêmica multidisciplinar Esprit, e membro do Institute des Hautes Études Judiciaires, Garapon tem como uma de suas principais obras Les gardiens des promesses, traduzida no Brasil para "O juiz e a democracia", pela editora Revan. Nesta obra, apesar do título em português sugerir uma avaliação sobre a legitimidade democrática da atividade jurisdicional em tempos de neoconstitucionalismo (movimento da teoria constitucional pós-45, primeiro em países como Alemanha e Itália), na verdade, a maior parte do livro se dedica à avaliação da atividade do juiz tendo em vista o recente protagonismo deste ator social no contexto de casos penais envolvendo, principalmente, políticos e elites sociais.
O principal alvo de Garapon é a espécie de jurisdição paralela que a mídia realiza em cada caso penal rumoroso e, mais grave ainda, a associação que freqüentemente se estabelece entre esta e a jurisdição "convencional", onde o juiz julga um conflito de interesses - no caso penal, entre a pretensão do estado de punir e a do acusado, de se manter não-punido -, segundo regras processuais rígidas pré-estabelecidas. Quando o juiz abandona a sua posição de calma, de brandura, de respeito às "regras do jogo" processual penal que estabelecem o meio pelo qual se vai produzir a única verdade que o processo judicial pode produzir - e que certamente não é a famigerada "verdade real" -, quando isso acontece, a lógica da mídia do imediatismo, do furo de reportagem e da captação da audiência pelo estímulo dos afetos inconscientes toma o lugar da lógica judicial da ritualização do conflito e da conscientização simbólica do evento criminoso que tanto choca e provoca os mais variados sentimentos.
Este ritual simbólico da jurisdição penal busca, justamente, pela reconstrução dos fatos supostamente criminosos, num ambiente em que o estado toma as rédeas desta função, tratar de extrair um evento passado do domínio inconsciente de uma sociedade que não pode mais representá-lo senão pela desorganização e fusão de afetos e sentimentos que caracterizam as produções psíquicas inconscientes. Sem esta apropriação dos fatos pelo ritual judicial, qualquer procedimento de busca da verdade tende a decair em uma busca confusa pela saciedade impossível de sentimentos caóticos - ira, medo, revolta, condescendência, pena, pasmo.
A mídia, ao contrário, procura extrair o máximo destes afetos e sentimentos. Para isso, ora se vira para os "suspeitos" e os condena de antemão. Ora vira-se para a sua família, e cria dó para a horrível situação por que passam. Ora vira-se para a "opinião pública" e a inflama. Com isso, a única prejudicada é a produção de uma verdade já precária, parcial, às vezes impossível e improvável que é a única que o contexto de um processo penal moderno, ao obrar sobre fatos privados e passados, pode produzir.
O caso da menina Isabella é um dos mais óbvios para ilustrar o desastre que um processo conduzido pela mídia pode produzir. Antes mesmo de finalizados os laudos periciais, indispensáveis, sob pena de nulidade processual, para casos de crimes que deixam vestígios; antes mesmo disso, já se avaliavam depoimentos de testemunhas, o promotor de justiça - que realiza o primeiro julgamento do caso com a sua opinio delicti - dava entrevistas várias e concludentes, os delegados se digladiavam quanto a porcentagens de conclusão do inquérito, e até um relatório policial - peça que encerra um inquérito concluído - já foi produzido. Tudo sem falar no "depoimento" prestado, em rede nacional no telejornal de maior audiência no Brasil, por algumas testemunhas que já haviam deposto no inquérito. E já que estamos falando de inquérito, não custa lembrar sua natureza legal sigilosa...
Não importa quem será condenado. Já se perdeu, sem dúvida, o mínimo de verdade que se poderia ver no caso. E, com isso, toda a finalidade de haver acusação e processo penal já também se perdeu.

João Pedro Pádua (www.melaragnocpadua.com.br)

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Bem-vindos!

Prezados clientes, colegas e amigos:

Inauguramos hoje um espaço que pretende trazer uma inovação à advocacia criminal carioca - e, por que não?, à brasileira. Este blog será mais uma maneira de interagir com nossos clientes, com a comunidade jurídica, e com a sociedade em geral. A advocacia sempre foi - e, em muitos pontos, ainda é - uma atividade hermética, controlada pelos técnicos do direito, versados numa linguagem inacessível para o grande público, o que garantia, ao lado da indispensável homogeneidade científica, uma boa dose de potencial de poder pelo conhecimento inacessível à maioria (poder ideológico).

A advocacia criminal era - e, em muitos pontos, ainda é - uma espécie de ápice neste fechamento do direito e da advocacia, já que lida com problemas jurídicos que não atingem a maioria das pessoas - os crimes ou delitos ou ilícitos penais.

No entanto, não deveria ser assim a advocacia. Sua etimologia latina (ad é prefixo de aproximação, e vocare é verbo traduzível por "falar") evidencia, que, na verdade, a advocacia se prestava justamente ao contrário: prestava-se a trazer a voz do direito ao homem comum; a fazê-lo penetrar e operar num universo lingüístico que ele não domina; a fazê-lo ser capaz de postular seus interesses pela via do direito, ainda que não treinado formalmente para tal. A advocacia é uma profissão (privada) com relevância pública justamente por permitir a mobilização do direito a favor de qualquer pessoa, e, com isso, garantir que qualquer pessoa assuma a condição de sujeito de direitos, de forma a defender suas pretensões ativamente, em juízo ou não.

A criação deste blog teve esta circunstância em mente. O direito foi feito para todos. Todos estão sujeitos às normas que o direito veicula e devem pautar sua vida social por estas normas, sob pena de sofrerem uma reprimenda institucionalmente prevista do próprio direito. Ou seja: todos são pessoas submetidas ao direito. Mas, para que a equação se iguale, todos têm de, também, ser sujeitos de direito, no sentido de de que ativamente conheçam e defendam suas pretensões através do mesmo mecanismo de direito que os sujeita a punições caso descumpridas suas condutas. Para isso serve a advocacia; em qualquer ramo desta nobre e milenar atividade.

Ainda assim, na maioria das vezes este poder ideológico que o advogado pode assumir por dominar uma técnica - a do direito - que, apesar de muito útil a todos, não é dominada pela maioria, seduz os profissionais do direito a "não revelarem seus truques". Como a advocacia não é mágica, é uma atividade de relevância pública, este blog se propõe a ser, com muito menos culpa do que um mágico traidor, uma porta de entrada para a advocacia e para o mundo do direito para qualquer pessoa.

E, como nós entendemos é de advocacia criminal (sinônimo de advocacia penal), que seja este blog uma porta de entrada para a advocacia criminal (ou penal) e todos os temas afins: segurança pública, direito penal e processual penal, criminologia, sociologia criminal. Procuraremos sempre trazer notícias e temas comentados sobre estes campos do conhecimento, esperando que sejam inteligíveis para qualquer pessoa, mas que não percam o interesse mesmo para os especialistas.

Sejam todos bem-vindos e não deixem de visitar o nosso site (www.melaragnocpadua.com.br), com conteúdos jurídicos e contatos de nosso escritório.

Um grande abraço,

João Pedro Pádua e Breno Melaragno Costa