quinta-feira, 29 de maio de 2008

Advogado João Pedro C. V. Pádua conclui mestrado em ciências jurídicas

Com a aprovação da sua dissertação intitulada "A tecnocracia jurídica: a comunidade dos intérpretes do direito e o enfraquecimento democrático" (230 p.), o advogado João Pedro Chaves Valladadares Pádua, sócio de Melaragno Costa e Pádua Advogados Associados, cumpriu o último requisito para a conclusão do curso de mestrado em ciências jurídicas (direito constiucional e teoria do estado), na PUC-Rio, no último dia 19 de maio. A banca que avaliou o seu trabalho foi composta pela profa. dra. Gisele Cittadino (orientadora), prof. dr. Daniel Sarmento (convidado externo) e prof. dr. Francisco de Guimaraens (convidado interno); sua dissertação foi aprovada sem ressalvas. Com esta aprovação, João Pedro C. V. Pádua recebeu o título provisório de mestre em ciências jurídicas (direito constitucional e teoria do estado), que será confirmado após o depósito da versão definitiva de sua dissertação, no prazo de 120 dias.

domingo, 25 de maio de 2008

Dois atos no enfraquecimento democrático pelo poder judiciário

Parece que estamos dançando. Na última postagem, falei sobre dois atos de corporativismo, um na advocacia e um na magistratura. Agora temos novos dois atos, embora, desta vez, venham de uma mesma fonte: o poder judiciário. Desde o ínicio da faculdade de direito aprendemos uma historinha interessante que beira a ficção, tomada do ponto-de-vista da teoria social. Aprendemos que "o poder judiciário é uno". Interessante esta lição, se usamos como ponto de comparação os outros dois poderes do esquema clássico, sistematizado, mas não propriamente criado ou proposto, pelo clássico Barão de Montesquieu. Ninguém diria que o poder executivo ou que o poder legislativo é uno - a discussão é se o Município é um ente da federação, e, portanto, diretamente ligado, em sua autonomia, à União Federal. No entanto, os juristas parecemos aceitar com incofessada facilidade o fato de que o poder judiciário, nada obstante dividido entre um grande ramo federal (ou da União, para ser mais técnico) - que ainda se subdivide em comum, eleitoral, trabalhista e militar - e um grande ramo estadual, presente em todos os estados da federação - e ainda no Distrito Federal, que tecnicamente, faz parte da Justiça da União, mas julga causas estaduais -; nada obstante estas múltiplas divisões, parecemos todos aceitar que "a jurisdição é una"... Vá lá, então, usemos esta ficção contra o objeto da ficção.


Um grande amigo meu, José Schettino, me mandou um e-mail recentemente, em que, mais ou menos, disse "pobre da sociedade brasileira: num mês o poder judiciário de quase todas as capitais dos principais estados da federação impede um movimento concertado para protestar democraticamente contra a proibição da maconha; no mês senguinte o mesmo [uno] poder judiciário resolve declarar incostitucional uma lei que, democraticamente promulgada, reafirma a criminalização do porte de drogas para uso pessoal." Ele tem toda a razão. Vejam os caros leitores que eu, ao contrário do meu grande amigo e sócio, Breno Melaragno Costa, que escreveu sobre isso, neste blog, algum tempo atrás, sou francamente favorável à legalização da maioria das drogas hoje ilícitas, especialmente a maconha. No entanto, a legalização não se pode fazer pelo judiciário, órgão incumbido de aplicar as leis e a constituição; antes, tem de ser feita, com a voz, a palavra, e a participação popular, através dos seus representantes no poder legislativo, que foi quem, primeiro, tornou ilícitas algumas - mas não todas as - drogas, lá no início do séc. XX.


Todas essas elucubrações vêm porque, como a maioria deve saber, o Tribunal de Justiça de São Paulo, que - para não jogarem o meu argumento da ficção da unidade da jurisdição contra mim - havia, junto de outros, por um juiz seu, proibido a marcha da maconha naquele estado menos de mês antes, resolveu agora, por decisão da sua 6ª Câmara Criminal, declarar incostitucional o art. 28 da Lei n.º 11.343/2007, que criminalizava o porte de drogas para uso pessoal. Os argumentos jurídicos, para quem milita na área penal, são os mesmos já conhecidos há algumas décadas, ao menos desde que aparecida a já vintenária Constituição de 1988: princípio da ofensividade ou da lesividade, direito à privacidade, e direito à igualdade - poderiam ser citados também, por exemplo, o princípio da proporcionalidade, o princípio da culpabilidade, direito à liberdade e autonomia privada etc. A análise jurídica destes fundamentos não interessa muito, exceto para notar vários deles são considerados implícitos na ordem constitucional brasileira. Ou seja, é isso mesmo: para você que não é jurista, saiba que os tribunais brasileiros - como vários outros no Mundo Ocidental, é verdade - julgam leis promulgadas pelo Congresso Nacional em votação bicameral inconstitucionais com base em normas que não estão expressas textualmente na nossa constituição, mas que, no seu juízo - freqüentemente não-coincidente com o de outros juristas -, "decorrem do sistema constitucional como um todo".

Aliás, é bom notar, para os que ingenuamente vêm aplaudindo esta decisão como se fora a notícia do ano - alguns, inclusive, meus amigos e colegas de luta pela descriminalização das drogas -; é bom notar que esta decisão é recorrível e, a não ser que o Ministério Público de SP resolva "deixar para lá", muito provavelmente será reformada nos tribunais superiores, a julgar pelo fato de que historicamente o STJ ou o STF nunca foram muito receptivos ao argumento da inconstitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal.

O que quero aqui ressaltar, todavia, para além da controvérsia que a argumentação especificamente jurídica da decisão suscita, é que o mesmo órgão do poder judiciário que proíbe a sociedade de sequer falar sobre a legalização das drogas - da maconha, nomeadamente- no espaço público, se arvora no direito de decretar, por decisão judicial (parcialmente) calcada em normas constitucionais implícitas, inválida uma lei aprovada demcraticamente pelo Congresso Nacional brasileiro (pela última vez em 2007), mediante voto majoritário de centenas de congressitas. Isto parece querer dizer: a "choldra" não pode discutir sobre a liberação das drogas, mas os sábios-magistrados (como os reis-filósofos platônicos), não só podem discutir sobre isso, como podem, pelo voto de três membros (não-eleitos) seus, desligitimar a palavra da maioria de centenas de parlamentares, eleitos pelo voto popular direto e universal.

Eu (reafirmo que) quero a leglização das drogas. Mas quero que eu consiga, junto de quem defende a mesma posição, convencer com meus argumentos os que hoje discordam deles a mudar de idéia e, com isso, fomentar a mudança de opinião social sobre este assunto; mudança de opinião social que, por sua vez, deverá refeltir uma alteração na opinião parlamentar majoritária. Aí sim, teremos uma democrática descriminalização das drogas. Na "canetada", eu, pelo menos, não quero...

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Corporativismo em dois atos

Corporativismo, numa definição tentativa, é a qualidade de defender sectariamente os interesses privados de uma corporação ou dos membros de uma corporação. O próprio termo corporação é muito antigo e parece se ligar às antigas "corporações de ofício", comuns na Idade Média, quando a vida econômico-social burguesa ainda não estava desenvolvida o suficiente para que as indústrias e a divisão entre proletários e empresários tomasse o lugar do corporativismo. A ressurreição do corporativismo veio do fascismo europeu e de sua pretensão de regular e conciliar, no espaço do estado, os interesses contrapostos do capital e do trabalho. Neste caso, obviamente, era um corporativismo de estado, em que o árbitro supremo era o líder fascista.

No Brasil, em que o estado sempre foi o grande comandante da sociedade, ora repressiva, ora paternalisticamente (como sempre defendi em vários escritos - clique aqui), o corporativismo mediado pelo estado pareceu ainda mais natural - embora menos violento e flagrante - do que na Europa Ocidental, outrora (mais ou menos) liberal. Durante o Governo Vargas, aliás, o corporativismo de estado ficou ainda mais insittucionalizado quando a Constiutição de 1934 recepcionou o instituto jurídico europeu da representação profissional, sob a forma extrema de dar voto aos representantes das categorias econômico-sociais, inseridas no Congresso Nacional sem voto popular.

Em todo caso, hoje, séc. XXI, 20 anos da vigência da mais estável - é preciso reconhecer - ordem constitucional republicana brasileira, causa mais espanto e tristeza ver que a tradição estatista e corporativista brasileira ainda permaneça tão forte - em alguns casos, ainda mais forte do que já foi. A relativa liberação que a sociedade civil pôde ver em relação ao estado nos últimos anos, em muitos casos, ao invés de contribuir para a formação de uma esfera pública e de um espaço público robustos e independentes, converteu-se em novas reinvindicações estratégicas e corporativistas, as quais, no mais das vezes, se voltam para a atuação, ora repressiva, ora paternalista do próprio estado. Foi justamente isso o que duas respeitáveis instituições da justiça fizeram, respectivamente, e, indiretamente, uma contra outra, em atuações recentes.

Ato 1 - A Câmara dos Deputados aprovou, em plenário, o substitutivo da Comissão de Constituição e Justiça ao Projeto de Lei n.º 5762/2005, de autoria, o substitutivo, do deputado Marcelo Ortiz, do PV/SP, que é, também, advogado. Segundo a notícia do informativo Migalhas (clique aqui), a OAB/SP comemorou muito a aprovação do projeto, que agora segue para o Senado, brandindo aqueles tradicionais e meio mofados argumentos: "o advogado exerce múnus público"; "as prerrogativas do advogado beneficiam a parte"; "os advogados são Função Essencial à Justiça, segundo a Constituição de 1988"; etc. Argumentos que todos nós, do mundo jurídico - mesmo os que não são advogados -, conhecemos de cor, não nos cansamos de repetir - mesmo os que não são advogados -, e que, ainda assim, vemos constantemente, ora desmentidos na prática pelos mais diversos funcionários e autoridades do mundo jurídico - basta lembrar que vários, se não todos os, ministros do STF exigem ora marcada para receber advogados, violando literal dispositivo de lei (n.º 8.906/94, art. 7º, VIII) -, ora abusados pelos próprios advogados que não se conformam com o fato de que, embora muitas as suas prerrogativas, não podem tudo.

E agora, aprovando um redundante projeto de lei, os advogados pensam que estão acabando com a arbitrariedade de autoridades jurídicas contra eles; ou, pior, pensam que estão "dando uma lição" aos recalcitrantes. Não percebem que este ato corporativista, em primeiro lugar, será, certamente, mal recebido pelos demais trabalhadores da comunidade jurídica, os quais se sentirão injustamente pressionados e vítimas de generalização odiosa; em segundo lugar, que os membros do MP que acusarão e os juízes que julgarão estes "novos" crimes podem ser, precisamente, aqueles mesmos criados nesta cultura também corporativista de desrespeito à figura do outro, que, no caso do processo, é o advogado, e, como resultado, provavelmente teremos mais uma "lei que "não pega no Brasil"; por fim, em terceiro lugar, não percebem que não há, notadamente, nada de novo nestes "novos" crimes, já tipificados como Violência Arbitrária (art. 322 do CP), Abuso de Poder (art. 350) e Abuso de Autoridade (art. 3º e 4º da Lei n.º 4.898/65), este último majoritariamente tido como revogador implícito dos dois primeiros. Assim a OAB acaba por se colocar como agente da inflação legislativa penal, fenômeno que muitos dos seus membros e conselheiros, na qualidade de advogados ou doutrinadores, tão freqüente quanto corretamente criticam com afinco. Porém, a OAB não está sozinha no corporativismo.

Ato 2: Provando que o corporativismo é universal, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), órgão normalmente muito corporativista, mas às vezes, surpreendente no desprendimento quanto aos presumíveis interesses estratégicos de seu membros, mais uma vez deu mostra de que estes últimos momentos são excepcionais. Ajuizou ontem, dia 20 de maio de 2008, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) que recebeu o n.º 4078, impugnando o art. 1º, I da Lei n.º 7.746/86, que disciplina o modo de recrutamento dos ministros do STJ na classe dos magistrados. A AMB quer com esta ADI que, em nome do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade - ou seja: uma maneira de traduzir em juridiquês o fato de que ela quer deste jeito, porque não concorda com que seja do jeito em que atualmente está -, seja dada interpretação conforme a constituição ao dito artigo para declarar que na classe dos magistrados (2/3 da composição do STJ) só se podem nomear para aquele tribunal os "magistrados de carreira", isto é: os que não componham os tribunais já na vaga do quinto constitucional - da advocacia ou do MP.

A própria expressão "magistrado de carreira" é meio corporativista: magistrado que é magistrado está na carreira da magistratura até que dela saia, por aposentadoria ou qualquer outra razão; ou não? Em todo caso, o que a AMB alega é que, se os magistrados "fora da carreira" puderem ser nomeados na qualidade de magistrados, o 1/3 do STJ reservado alternadamente a advogados e membros do MP poderá tornar-se muito mais do que 1/3, se se contar que nos 2/3 dos magistrados poderão entrar tantos outros desembargadores oriundos do quinto constitucional, de modo que, eventualmente, o STJ terá mais "não-magistrados de carreira" do que "sim-magistrados de carreira".

Não interessa entrar no argumento jurídico propriamente dito. Quem quiser ver a inicial da ADI em questão, clique aqui. O que choca, por detrás das quase cinqüenta laudas de contas fracionárias e termos jurídicos de pertinência duvidosa é o fato de que, no fundo, o que AMB parece sugerir é que há dois tipos de magistrados: o magistrado "puro", que começou como juiz de primeira instância e ascendeu à segunda para, daí, em alguns casos, pleiteou vaga na corte superior; e o magistrado "infiltrado", que não seguiu este caminho, mas se valeu de um "enxerto" constitucional para galgar a sua posição no tribunal. Se me permitem continuar na metáfora de genética botânica, o magistrado "puro" pode ver seu galho crescendo normalmente, mas o "magistrado-enxerto" tem de ter seu galho podado, já que, originalmente, não pertence àquela árvore. Como se a Justiça, em vez de uma função de estado, uma ramificação de seu poder, fosse, na verdade, uma profissão como qualquer outra, um ofício como qualquer outro, em que a corporação tem de zelar pelos interesses profissionais da classe.

Em ambos os atos, triste a sina do corporativismo no estado ou virado para o estado, bem à moda brasileira; e justo em algumas das carreiras que deveriam zelar pela Justiça e pelo direito.

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

terça-feira, 20 de maio de 2008

O bom-humor do STF

Parece piada, mas não é. Quem ler o penúltimo informativo do STF - sim, caros leitores, esta é mais uma postagem predominantemente voltada para "especialistas"; conserto isso na próxima - não pode deixar de ver a notícia intitulada "Publicação em nome de advogado falecido" (clique aqui). A notícia refere-se a processo da Primeira Turma, o Recurso Ordinário em HC n.º 93.849, rel. min. Carmen Lúcia. Lembrem-se de que esta mesma ministra já participou de outro caso muito engraçado no mesmo tribunal quando descobriu - e extinguiu sem julgamento do mérito - que um habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União tinha o paciente pré-morto havia mais de um ano... De qualquer modo, naquele caso, a ministra apenas constatou o que havia passado despercebido por outras instâncias. Neste sentido, ela, digamos, não "deu causa" à graça da história, apenas a esancarou. Neste caso de que agora tratamos, foi diferente. Vejamos.

O fundamento do pedido recursal é, em síntese, que a pauta da sessão de julgamento da apelação dos pacientes fora publicada em nome de advogado falecido dias antes. Como conseqüência, não pôde haver sustentação oral por parte da defesa técnica no processo originário. A tese parece plausível, mas não é isso o que mais importa. O que mais interessa é que a ministra Carmen Lúcia desproveu o recurso ao argumento de que "não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento de apelação interposta em favor do réu se o seu patrono vem a falecer antes do julgamento, sem que tenha havido a oportuna comunicação desse fato à turma julgadora". Para elucidar o raciocínio conclusivo, a ministra cuidou de explicitar a premissa maior: o Código de Processo Penal, no seu art. 565, veda à parte que deu causa à nulidade alegá-la, depois, a seu favor. O.k., também este artigo é bastante razoável e impede, por exemplo, que a parte requeira uma rogatória para Ruanda, sem justificativa plausível, e depois requeira a nulidade superveniente da prisão preventiva por excesso de prazo.

No entanto, vejam bem, não é disso que se trata. O que a ministra disse, aparentemente, foi que, ao morrer, o advogado/de cujus deu causa à nulidade da intimação publicada em seu nome, já que não (se) comunicou ao órgão julgador a (sua) morte, a fim de que pudesse proceder à retificação do nome do advogado na intimação por imprensa oficial. Abstraindo a interessante, mas nada engraçada, discussão sobre o que constituiria, em semântica jurídica, "dar causa" ou "causar" - certamente, a morte, um evento natural não parece poder ser imputada como "obra" de nenhum ser (humano) -, a questão que provavelmente se deve fazer sobre esta interpretação da ministra é a que uma advogada próxima de mim me sugeriu: vem cá, o tal advogado/de cujus deu causa à nulidade morrendo ou deixando de comunicar a sua própria morte ao tribunal competente? Neste útlimo caso, provavelmente foi falha do (arc)anjo Gabriel, mensageiro dos céus - se é que ele foi para os ceús, sendo advogado - e, definitivamente, não pode ser atribuída ao advogado...

(Em tempo: depois do voto divergente do min. Marco Aurélio, consignando que se tratava de nulidade absoluta, não validada, pois, pelo seu responsável/causador jurídico, o min. Carlos Britto pediu vista dos autos. O min. Carlos Britto costuma ser esteticamente muito denso e poético em seus votos: vamos esperar o que um caso destes reserva no seu voto-vista).

João Pedro C. V. Pádua
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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Indicação

O professor-doutor e desembargador do Tribunal de Justiça aqui do Rio de Janeiro, Geraldo Prado, nos brindou com uma lisonjeira indicação, no blog dele, para este nosso modesto blog. Esta postagem, para além de retribuir a gentileza, serve para tornar pública a nossa admirição e constante aprendizado com as manifestações escritas e orais do professor Geraldo Prado. Ele é, certamente, ao lado de uma geração mais ou menos recente de grandes processualistas penais, um dos poucos no Brasil que ainda "pensa o processo por cima" - como diria o meu grande amigo Ronaldo Cramer -, em vez de ficar gastando rios de tinta para dizer se cabe ou não habeas-corpus contra indeferimento de liminar, ou se o erro na grafia do nome do réu no mandado de citação gera nulidade absoluta, ou se a prisão preventiva é ou não diferente, em natureza jurídica, da prisão decorrente de sentença condenatória recorrível...

Assim como o professor Geraldo Prado, o que procuramos aqui debater é a função e a concepção do processo penal num estado democrático de direito, e o que pode ou não pode oferecer o direito penal para uma sociedade pós-tradicional, como a brasileira, mas que continua ainda refém de vícios históricos capitais.

Mais uma vez obrigado ao professor Geraldo Prado, cujo blog todos os meus (provavelmente não muitos) leitores não devem deixar de conferir: http://www.geraldoprado.com.br/blog/index.asp.

João Pedro C. V. Pádua
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quarta-feira, 14 de maio de 2008

O desembargador denegou a liminar...

Estou, obviamente, falando da útlima "novela da vida real", o caso Isabella Nardoni. Após uma insustentável prisão preventiva, uma pena antecipada evidente e incontestável, a expectativa de que o desembargador Canguçu de Almeida, do TJ/SP, fosse mostrar a mesma coragem e desassombro de que se valeu quando soltou, também por liminar, o casal então preso temporariamente; esta expectativa não se concretizou. A decisão de indeferimento da liminar (veja a íntegra desta decisão) no habeas-corpus impetrado pela defesa de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá prestigia equivocadamente a decisão que determinou a prisão preventiva. E cai na mesma esparrela de confundir ordem pública com agitação popular a favor da condenação; esparrela que, como dito, já foi por diversas vezes proclamada ilegal e inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Tenho feito umas postagens meio grandes, ultimamente, então vou resistir à tentação de comentar esta decisão em detalhes. Porém, não vou resistir a abordar dois aspectos. O primeiro: quando da decisão anterior, em que defiriu liminar em outro habeas-corpus da defesa, para determinar a soltura de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá da prisão temporária a que estavam sujeitos, o mesmo desembargador Canguçu de Almeida já havia enfatizado muito que o grande motivo de sua decisão era, na época, a circunstância (fática) de que não havia nenhum indício seguro de que o casal tinha, de fato, participado ou concorrido para a morte de Isabella. Sobre esta base, sempre naquela época, o desembargador, então, pôde apelar para a presunção de inocência prevista na constituição e para as normas constitucionais que, ao prever o direito à liberdade (art. 5º, cabeça, da Constituição Federal de 1988) e exceções expressas a este direito (art. 5º, LXI da mesma constituição), estabelceram a liberdade como regra no direito brasileiro - e a prisão, principalmente processual, como clara exceção.

No entanto, e este é o segundo aspecto que ressalto, já nesta nova decisão (clique aqui), a situação fática mudou. Foram amealhados vários novos elementos de prova, pela polícia, apontando para ter sido o casal o autor conjunto do crime, aparentemente. E agora, neste novo quadro fático, o mesmíssimo desembargador acha não mais que a prisão é a exceção das exceções, mas que uma decisão sua que mande soltar os presos liminarmente é que é a exceção das exceções. Por isso ele junta outras decisões de tribunais superiores sobre a excepcionalidade da decisão liminar em habeas-corpus. O novo quadro fático quanto aos elementos de prova de autoria do crime modifica, no entendimento do desembargador, a aplicação das mesmas normas jurídicas antes invocadas para afirmar a excepcionalidade da prisão antes da sentença penal condenatória transitada em julgado - que, neste caso, só sairá se assim julgarem os jurados. E, com isso, o que o desembargador faz é mostrar que, na realidade, o que importa é se o casal parece ou não ter cometido o crime, não se há necessidade processual de que eles fiquem presos durante o julgamento. Ei!, mas as provas de que alguém cometeu o crime não eram requisito para a aplicação da pena de prisão? Eu, hein... que juízes mais esqusitos...

João Pedro C. V. Pádua
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terça-feira, 13 de maio de 2008

Isabella e Dorothy Stang

O que o caso Isabella Nardoni e o caso Dorothy Stang têm em comum? Muitas coisas. Uma: ambas foram mortes brutais e injustificáveis de pessoas boas e puras, ao que tudo indica. Dois: ambos foram casos de grande rumor na mídia, embora o de Isabella Nardoni tenha tido uma cobertura midiática que eu nunca vi ou tive notícia; uma autêntica epopéia que deixaria "Os Lusíadas" no chinelo. Três: ambos geraram uma enorme comoção popular, compreensivelmente, já que a identificação é um fenônemo psíquico-social que desde antes de Freud se concluía da psicologia social; Freud só soube localizá-lo, através de mitos simbólicos - o de "Totem e Tabu" ou de "Moisés e o Monoteísmo", por exemplo -, no plano do inconsciente, antes de tudo.

Mas a principal coincidência que me intriga, como criminalista, é uma quarta: o fato de que, em ambos os casos, o processo penal na sua função primordial, a de controlar a aplicação da lei penal e da coerção penal do estado, seja desmerecido como mero obstáculo para a "realização da justiça". Em primeiro lugar, como diria um grande amigo meu, ganha uma mariola quem me definir, substantiva e universalmente, o que seja "realizar a justiça". A mais famosa fórmula que se aprende na faculdade de direito, atribuída, se não me engano, ao jurista romano Ulpiano, não resolve a questão: honeste vivere, neminem laedere, suum cuique tribuere ("viver honestamente, não lesar a ninguém, dar a cada um o que é seu"). Continuamos, embora agora mais pomposamente, a ter de responder o que é "de cada um", o que é "lesar o outro", ou o que é "honestamente". Justiça só se pode fazer, então, aplicando um direito democraticamente concebido, através de um processo legal democraticamente concebido, numa institucionalidade e ritualidade que faça do direito a "palavra comum da sociedade", como diria o Garapon, que já citei em outro momento. Do contrário, temos parcialidade, emoção, comoção, idéias ou afetos; justiça, não temos.

O Fantástico perguntou à mãe da Isabella o que era justiça. Ela não respondeu diretamente, mas disse que queria ver o pai e a madrasta condenados e que, com isso, via a "justiça começar a ser feita". Se tivesse perguntado aos pais da Anna Carolina Jatobá ou ao pai do Alexandre Nardoni, teria como resposta que justiça seria que os seus respectivos filhos fossem inocentados da acusção de homicídio e, quem sabe, que tivessem uma "justa" indenização do estado por esta acusação "injusta". Os pais dos acusados podem estar em desvantagem numérica em relação à concepção do resto da sociedade, mas nem por isso estão necessariamente errados. O único critério seguro da justiça neste e em tantos outros casos, continua sendo o bom e velho e lento e desacreditado processo penal acusatório, que respeita o direito dos acusados de se defender amplamente, numa relação contraditória em que um órgão - o Ministério Público - é encarregado institucionalmente de acusar, os acusados se defendem pela sua palavra e pela palavra de um defensor tecnicamente habilitado (advogado), e um terceiro, que não está nem de um lado, nem de outro - o juiz - distribui igualmente o direito de usar a palavra no processo, e, afinal, julga qual das duas teses conseguiu convencê-lo melhor; a ele que não estava inicialmente convencido de nehuma das duas teses.

E o que isso tem que ver com o caso Dorothy Stang? Ora, naquele caso, com menos pressão da mídia, o processo penal correu como deveria, a investigação avançou mais ou menos corretamente, o Ministério Público acusou, a defesa fez a sua parte, e, no plenário do Tribunal do Júri, os jurados, num primeiro julgamento, condenaram não só o pistoleiro, senão também o acusado como mandante do crime - tal do "Bida", acho eu - a pena maior do que 20 anos. A defesa, então, usando um recurso que, embora de discutível correção em sua concepção, está em vigor e faz parte do "devido processo legal"; a defesa usou essedireito que tem a um novo julgamento. No novo julgamento, o pistoleiro se retratou do depoimento que prestara no primeiro e, com isso, a acusação se viu sem qualquer prova de que o acusado como mandante do crime seria, de fato, o mandante do crime. E aí, o júri, novamente, cumpriu o seu papel: sem provas do mando do crime, não se pode condenar ninguém, e, por 5 a 2, salvo engano, respondeu "não" ao quesito sobre a autoria do crime para Bida. Foi a senha para diversos órgãos de diversos ramos do estado - e entidades defensoras de direitos humanos - se manifestarem sobre o "absurdo da decisão". Até mesmo dois ministros do STF, que podem vir a julgar (algum aspecto d)este caso, já pronunciaram a sua "insatisfação" com este novo resultado.

Agora, convenhamos, qual é o "absurdo" desta decisão? A decisão, em si, foi perfeita: o júri, reconhecendo a falta de provas, não se deixou levar pela comoção popular e julgou como deve. Sem provas, não há condenação, não importa o quão bárbaro tenha sido o crime. Ninguém pode ser considerado culpado sem sentença penal transitada em julgado, diz o art. 5º, LVII da nossa constituição, já citado neste blog. Mas como assim? O pistoleiro voltou atrás do seu depoimento no primeiro júri!, dirão alguns. Certamente, esta conduta é estranha. Parece sugerir uma intimidação ou um pagamento escuso ou uma outra conduta qualquer, que, por si só, em tese, constitua o crime de Fraude Processual do art. 347 do Código Penal Brasileiro. Mas ou se prova isso e se anula o julgamento sobre essa base, ou não se venha falar de absurdo do julgamento. É absurdo que alguém "compre" ou "ameace" outrem para garantir a impunidade. Aliás, não é só absurdo; é crime previsto no Código Penal, como dito. Agora, também não é pouco arriscado para a acusação apresentar como única prova da autoria mediata de um crime - como se diz do mandante que não executa a ação - o depoimento de um acusado, no mesmo processo (chamado, tecnicamente, co-réu), justamente de ser o executor da conduta criminosa - o autor imediato, portanto.

De qualquer forma, o júri, ou o processo penal, em geral, não existem para tomar uma determinada decisão já previamente desenhada e querida pela mídia ou por outros órgãos do estado. Se for isso, insisto, é melhor não ter processo. O processo com decisão definida antes mesmo de ocorrer é veleidade, é só uma novela daquelas em que todo mundo já sabe o final desde o primeiro capítulo. Não que o processo tenha de ser imprevisível; mas, ao menos, ele tem de poder ter um resultado inesperado, ou não-querido por setores da sociedade ou do governo, ainda que majoritários. Só assim o processo pode fazer justiça, ora quando condena, ora quando absolve. Repito, se não for assim, não se precisa de processo ou de defesa: se defender para que, se o resultado já está definido?

Nós até podemos ter a nossa opinião sobre o crime contra a Isabella ou contra a Dorothy Stang. E podemos achar que a decisão do júri ou da Justiça foi incorreta, ou se baseou em premissas fáticas falsas. E podemos nos manifestar pública ou privadamente sobre isso. Mas, temos de defender com unhas e dentes o processo justo como único meio para cometer erros e acertos na aplicação correta das leis do estado - especialmente as leis que aplicam penas.

Por tudo isso, parafraseando o que bem disse o Adauto Suannes, desembargador aposentado do TJ/SP e um dos melhores cronistas do meio jurídico atual, em sua coluna semanal no informativo "Migalhas" (clique aqui), os que vociferaram contra a decisão do júri da Dorothy Stang, sob uma suposta não-aplicação da justiça naquele caso, perderam, nada obstante seu direito de liberdade de manifestação do pensamento, uma boa chance de manter suas excelsas bocas fechadas.

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Breno Melaragno Costa na TVBRASIL (ex-TVE)

Hoje, quinta-feira, dia 08 de maio, o advogado Breno Melaragno Costa, que escreve periodicamente neste blog e é sócio de Melaragno Costa e Pádua Advogados Associados, estará na TVBRASIL participando do programa de debates “Espaço Público”, que vai ao ar às 00:30 hs., início da madrugada do dia 09. O advogado abordará o caso da missionária Dorothy Stang e da menina Isabella Nardoni, explicando os aspectos processuais e penais. Veja a entrevista e comente esta postagem com as suas impressões e dúvidas. E não deixe de visitar o site www.melaragnocpadua.com.br, para mais conteúdos e informações.

E o absurdo ocorreu

Não estou falando da eliminação do Flamengo na Copa Libertadores, embora, certamente, tenha sido um belo presente de grego na despedida do acanhado técnico Joel Santana, até domingo passado, um "brilhante estrategista".

Estou falando da decretação da prisão preventiva do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pelo II Tribunal do Júri da Justiça de São Paulo. Interessantemente, meus dons mediúnicos funcionaram e o grosso da fundamentação (veja a decisão na íntegra) do juiz de São Paulo se esforça para estabelecer a tal "ameaça à ordem pública" pelo "clamor e repercussão social" em torno do crime.

O motivo pelo qual este argumento é absolutamente insustentável já foi amplamente exposto na postagem que fiz ontem (veja abaixo) e não vou repeti-lo. Quero apenas, novamente, deixar claro que há uma distinção importante entre o caso normal da prisão - a prisão decorrente da aplicação de uma pena, por isso mesmo: prisão-pena - e o caso excepcional da prisão - a prisão decorrente da necessidade de preservar aspectos em torno do processo, por isso mesmo, prisão processual ou provisória. Uma só pode se dar depois de sentença condenatória transitada em julgado, como explicamos antes. A outra pode se dar quase a qualquer tempo antes da decisão definitiva, mas precisa, por isso mesmo, de necessidade. O fato de que, com a cobertura midiática em tempo real, sem rituais, sem garantias processuais, sem limites legais, já haja um sentimento de condenação dentro na sociedade faz com que esta linha divisória se esvaeça. Se o casal réu já é considerado culpado, para que esperar o processo terminar - sabe-se lá quando - para prendê-lo? Ora, deve-se esperar, justamente porque a Justiça ainda não pode certeza de nada e, por enquanto, a prisão que acabou decretando deveria ser para proteger a relação processual, não para "dar resposta à sociedade", coisa que se faz com a condenação definitiva, não com o processo em si.

Bem, somente algumas "coisas interessantes" da decisão, agora, para descontrair. Os não-especialistas que nos lêem agora por favor me perdoem, porque a graça aqui vai ficar clara, provavelmente, só para os especialistas. É meio que "piada interna". Vamos lá: no meio da decisão (clique aqui), o juiz, para dar respaldo jurisprudencial à sua problemática interpretação do que fosse garantia da ordem pública citou duas decisões do STF: a segunda, uma decisão mais ou menos isolada relatada pelo Min. Carlos Britto (HC 85298) em 2005, provavelmente para não soltar algum processado por um concurso material gravíssimo de múltiplos homicídios ou coisa que o valha. Depois disso, o STF já reafirmou várias vezes que a mera gravidade do delito ou o "clamor público" não são fundamentos idôneos para a prisão preventiva (e. gr. HCs 91616 - relatado pelo mesmo Min. Carlos Britto -; 91729; 89238; 87343; 84311, todos de 2007, só para citar os mais recentes). Mas a melhor jurisprudência citada foi a primeira, também do STF. Trata-se do HC 60.043, relatado pelo min. Carlos Madeira, que se aposentou da corte em 1990! Certamente, reflete a posição mais consolidada e atual da jurisprudência do STF...

Outra coisa interessante na decisão do juiz é que a defesa deve ficar muito feliz de que a decisão do caso é de competência do tribunal do júri. Porque, se fosse da competência deste juiz que decretou a(s) (duas) prisão(ões) do casal, acho que não haveria muita possibilidade absolvição, nem de pena moderada. Afinal, como diz o magistrado, "se tratam [sic] de pessoas desprovidas de sensibilidade moral e sem um mínimo de compaixão humana"... Nestas horas, me lembro sempre do prof. Aury Lopes Jr., um dos melhores processualistas penais da atualidade, que defende a necessidade de que, a bem da imparcialidade, o juiz que acompanhou o inquérito não possa julgar o processo.

Última coisa interessante é um parágrafo que quase fala por si: "No presente caso concreto, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelos mesmos para ali estabelecerem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, além de não ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária decretada anteriormente, isto somente não basta para assegurar-lhes a manutenção de sua liberdade durante todo o transcorrer da presente ação penal [...]." Se isso não basta para mostrar a desnecessidade de uma prisão preventiva, o que será que basta? E mais, são os réus quem tem de provar esta desnecessidade?

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

Breno Melaragno Costa na Globonews

Hoje, quinta-feira, dia 08 de maio, o advogado Breno Melaragno Costa, que escreve periodicamente neste blog e é sócio de Melaragno Costa e Pádua Advogados Associados foi entrevistado no programa Em Cima da Hora, no canal a cabo Globonews, edição das 8h da manhã. A entrevista foi sobre o caso "Isabella Nardoni". Breno explicou as diferenças entre prisão temporária e prisão preventiva, os requisitos para a decretação de uma prisão preventiva, as linhas-mestras do procedimento perante o tribunal do júri; falou sobre as chances do casal preso no habeas-corpus que sua defesa pretende impetrar nas próximas horas e sobre as provas até agora recolhidas sobre a conduta imputada ao casal. Você, que viu a entrevista, comente esta postagem com as suas impressões e dúvidas. E não deixe de visitar o site www.melaragnocpadua.com.br, para mais conteúdos e informações.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

O furo da prisão preventiva

Tudo bem, tudo bem, eu não sou advogado há muito tempo. Mas lido com a área criminal (ou penal) há tempo suficiente para poder dizer o que vou dizer agora: nunca vi ou soube de algo tão pitoresco, incrível, inimaginável ou estapafúrdio do que uma prisão preventiva que é anunciada pela mídia de massa quase uma semana antes de ser efetivamente requerida - que dirá deferida (ou não). E o que é pior: uma prisão preventiva que depois deste monte de furos (de reportagem) que a anunciavam, efetivamente é requerida e tem seu requerimento anunciado - onde? - na mídia!

Vamos contextualizar e explicitar um pouco de conhecimento prévio. Afinal, a maioria dos nossos leitores, provavelmente, não sabe bem o que é um prisão preventiva. Não se sintam mal, especialmente vocês que não são da área jurídica, ou, se são, não são especialistas em matéria penal: o promotor de justiça, responsável pelo caso-novela "Isabella Nardoni", que é da área jurídica e trabalha com direito penal, aparentemente também não sabe. Aliás, justiça seja feita, não só ele assim aparenta, como muitos dos membros do Minsitério Público e delegados de polícia por aí, no que são seguidos por um também sem-número de juízes - estaduais ou federais, de primeira instância ou não.

Então, mãos à obra. No que diz respeito ao processo penal, existem dois grandes tipos de prisão. Na verdade, o critério para esta grande divisão, não é bem a prisão em si - já que privação de liberdade é sempre privação de liberdade - mas o momento jurídico em que cada uma é cabível. O normal da prisão no direito é que ela exista como pena. A lógica é óbvia e já incorporada ao senso comum: quem cometeu um crime está sujeito, em regra, a uma pena de prisão; a prisão, então, é a maneira pela qual o direito pune (um sinônimo técnico é sanciona) alguém que lhe violou as normas de conduta, nomeadamente as previstas na lei penal.

Este é o normal. Cometeu um crime, é - ou pode ser - preso, por um determinado período de tempo. O detalhe que pontua esta utilização normal da prisão no Direito (penal) Brasileiro é que quem diz, juridicamente, quem cometeu um crime - e, portanto, quem está (ou pode estar) sujeito à pena de prisão - é o poder judiciário, desde que esgotadas todas as possibilidades - leia:-se recursos - do acusado livrar-se desta declaração de que cometeu o crime e da aplicação da conseqüente pena - o que se chama, tecnicamente, condenação. Quando se esgotam todas as vias de impugnação de que dispõem os acusados para não se verem condenados, e, logo, quando a declaração de cometimento do crime contida na condenação torna-se a palavra final do poder competente para proferi-la - o poder judiciário, repita-se -; quando isso acontece, diz-se que o processo transitou em julgado e, bem por isso, que a condenação tornou-se definitiva. Só aí, segundo a Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LVII), pode alguém ser considerado efetivamente culpado e responsável por um crime.

Daí se tira que só quando o poder judiciário, por decisão definitiva (transitada em julgado) pode proclamar alguém culpado de um crime, e, só depois desta proclamação, e em decorrência dela, pode aplicar uma pena, eventualmente de prisão. Estão excluídas desta atribuição de proclamar culpa e aplicar pena a Rede Globo, o jornal O Dia, qualquer outro veículo da mídia em qualquer de suas formas, e, mesmo, o delegado de polícia e o membro do Ministério Público. Claro, todos eles podem ter suas opiniões sobre a culpa e o merecimento da pena de quem quer que seja; em alguns casos esta opinião tem alguma conseqüênica jurídica importante - se o membro do Ministério Público, por exemplo, é da opinião de que não houve crime, ele não processa criminalmente o investigado. Mas, em todos estes casos, se trata, no fundo, somente de opinião ou de declaração juridicamente provisória e precária, quando muito.

Pois é neste momento de indefinição quanto à culpa e à aplicação de pena que tem lugar a prisão preventiva. Este não é o caso normal de prisão. Este é um caso excepcional. Não existe, ainda, declaração de culpa por parte do poder competente, após uma marcha processual justa que garanta à acusação e à defesa uma disputa jurídico-discursiva eqüitativa, com o que, tecnicamente, chama-se paridade de armas. Tudo o que existe, não importa o quão impressionante, são indícios, quer dizer, elementos de prova, ainda não plenamente tratada em uma relação processual. Estes elementos de prova são indispensáveis para a vaibilidade da acusação formal, a cargo do Ministério Público, perante o poder competente para avaliá-la, o poder judiciário. Mas absolutamente não servem para garantir, juridicamente, a culpa de quem quer que seja.

Ora, então para quê existe prisão antes da formação definitiva da culpa. Justamente para garantir que o processo em si não seja perturbado ou frustrado pelo acusado, quer pela manipulação ilícita de elementos do processo - ameaças a testemunhas, provas forjadas ou destruídas, etc. -, quer pela sinalização de que o processo não será efetivo - tentativa de fuga, indícios de reiteração da prática criminosa de que está o acusado sendo acusado, etc. A prisão antes do processo findo, de que são os exemplos mais famosos a prisão em flagrante e a prisão preventiva só serve para estas finalidades. Não serve, pois, como é óbvio, para antecipar a aplicação da pena, justamente porque não houve, ainda, o pressuposto da aplicação da pena: a declaração de culpa.

Isto tudo o que foi dito minuciosamente é lição elementar de processo penal e está expressamente escrito no art. 312 do Código de Processo Penal, reforçado por outras normas do mesmo código e da constituição. No entanto, é cada vez mais esquecido. Autoridades encarregadas de investigar e acusar, mas não de julgar e aplicar pena, parecem não se conformar com o fato de que não são eles quem julga o processo, nem com o fato de que é só no processo que a igualdade discursiva entre acusação e defesa pode tornar justa uma aplicação de pena. E pretendem, então, prender os acusados, para puni-los, mesmo antes de sua culpa ser juridicamente declarada - e, também, por isso mesmo, antes que eles tenham tido oportunidade de se defender com todas as armas de que juridicamente dispõem. O mecanismo de que se usam para fazer isso é o fato de que o mesmo art. 312 do Código de Processo Penal prevê a possibilidade de decretação de prisão preventiva, no caso de ameaça à "ordem pública". Nesta interpretação enviesada, quando o crime de que se acusa alguém é grave e toca a sociedade, a não-prisão do acusado causa descrédito às instituições perante esta sociedade escandalizada, a quem parece que o culpado está solto. Para não dar margem a esta impressão, seria, pois, preciso prender o acusado, mesmo antes de terminado o seu processo: a justiça estaria, assim, perante o "clamor público", "fazendo a sua parte".

De fato, num caso como o de Isabella Nardoni, este clamor público existe. De fato, diante da condenação da mídia, da mãe, da delegada, do promotor, é aparentemente contradítório deixar os acusados soltos. Como podem estar soltos, se cometeram o crime? - perguntaria o "homem médio". Ora, podem estar soltos, porque, para o direito, não há certeza de que estes dois acusados, de fato, cometeram o crime de que são acusados. A sociedade, inflamada pela mídia, e pelas entrevistas coletivas de autoridades pouco cientes de seu dever de serenidade, pode ter "certeza" de que "foram eles" - embora, numa sociedade realmente bem ordenada, imagino que não se deveria ter esta certeza antes da condenação dos acusados. O direito e suas autoridades não podem ter certeza antes da decisão definitiva de condenação.

Aliás, como dissemos aqui neste blog, a reconstrução do fato pelo direito no corpo de um processo serve, justamente, para retirar do clamor público o domínio sobre a interpretação dos significados sociais dos fatos particularmente traumáticos para a sociedade. É na serenidade e no tempo do processo, não condizente com o tempo da mídia, é certo; é nesta serenidade que as emoções sociais são re-significadas, de modo que o "mata, esfola" seja transformado em uma condenação justa, porque proferida calma, racional e sob o signo da igualdade entre acusação e defesa. Fosse o processo a servir de escoadouro do "clamor público", não haveria necessidade de processo. Era melhor descriminalizar as conseqüências do linchamento e deixar o povo fazer a "sua justiça".

Que função preventiva poderia ter uma prisão do casal de acusados no caso Isabella Nardoni? O que ela previniria? O que uma medida deste tipo, anunciada com uma semana de antecedência, pelo menos, e anunciada em entrevista coletiva, poderia, em qualquer momento, previnir? Fuga? Destruição de provas? Aliciamento de testemunhas? Com esta vantagem inicial no tempo, eles poderiam fazer tudo isso e ainda mandar um cartão postal para a delegada e o promotor...

João Pedro C. V. Pádua
(http://www.melaragnocpadua.com.br/)