quinta-feira, 8 de maio de 2008

E o absurdo ocorreu

Não estou falando da eliminação do Flamengo na Copa Libertadores, embora, certamente, tenha sido um belo presente de grego na despedida do acanhado técnico Joel Santana, até domingo passado, um "brilhante estrategista".

Estou falando da decretação da prisão preventiva do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pelo II Tribunal do Júri da Justiça de São Paulo. Interessantemente, meus dons mediúnicos funcionaram e o grosso da fundamentação (veja a decisão na íntegra) do juiz de São Paulo se esforça para estabelecer a tal "ameaça à ordem pública" pelo "clamor e repercussão social" em torno do crime.

O motivo pelo qual este argumento é absolutamente insustentável já foi amplamente exposto na postagem que fiz ontem (veja abaixo) e não vou repeti-lo. Quero apenas, novamente, deixar claro que há uma distinção importante entre o caso normal da prisão - a prisão decorrente da aplicação de uma pena, por isso mesmo: prisão-pena - e o caso excepcional da prisão - a prisão decorrente da necessidade de preservar aspectos em torno do processo, por isso mesmo, prisão processual ou provisória. Uma só pode se dar depois de sentença condenatória transitada em julgado, como explicamos antes. A outra pode se dar quase a qualquer tempo antes da decisão definitiva, mas precisa, por isso mesmo, de necessidade. O fato de que, com a cobertura midiática em tempo real, sem rituais, sem garantias processuais, sem limites legais, já haja um sentimento de condenação dentro na sociedade faz com que esta linha divisória se esvaeça. Se o casal réu já é considerado culpado, para que esperar o processo terminar - sabe-se lá quando - para prendê-lo? Ora, deve-se esperar, justamente porque a Justiça ainda não pode certeza de nada e, por enquanto, a prisão que acabou decretando deveria ser para proteger a relação processual, não para "dar resposta à sociedade", coisa que se faz com a condenação definitiva, não com o processo em si.

Bem, somente algumas "coisas interessantes" da decisão, agora, para descontrair. Os não-especialistas que nos lêem agora por favor me perdoem, porque a graça aqui vai ficar clara, provavelmente, só para os especialistas. É meio que "piada interna". Vamos lá: no meio da decisão (clique aqui), o juiz, para dar respaldo jurisprudencial à sua problemática interpretação do que fosse garantia da ordem pública citou duas decisões do STF: a segunda, uma decisão mais ou menos isolada relatada pelo Min. Carlos Britto (HC 85298) em 2005, provavelmente para não soltar algum processado por um concurso material gravíssimo de múltiplos homicídios ou coisa que o valha. Depois disso, o STF já reafirmou várias vezes que a mera gravidade do delito ou o "clamor público" não são fundamentos idôneos para a prisão preventiva (e. gr. HCs 91616 - relatado pelo mesmo Min. Carlos Britto -; 91729; 89238; 87343; 84311, todos de 2007, só para citar os mais recentes). Mas a melhor jurisprudência citada foi a primeira, também do STF. Trata-se do HC 60.043, relatado pelo min. Carlos Madeira, que se aposentou da corte em 1990! Certamente, reflete a posição mais consolidada e atual da jurisprudência do STF...

Outra coisa interessante na decisão do juiz é que a defesa deve ficar muito feliz de que a decisão do caso é de competência do tribunal do júri. Porque, se fosse da competência deste juiz que decretou a(s) (duas) prisão(ões) do casal, acho que não haveria muita possibilidade absolvição, nem de pena moderada. Afinal, como diz o magistrado, "se tratam [sic] de pessoas desprovidas de sensibilidade moral e sem um mínimo de compaixão humana"... Nestas horas, me lembro sempre do prof. Aury Lopes Jr., um dos melhores processualistas penais da atualidade, que defende a necessidade de que, a bem da imparcialidade, o juiz que acompanhou o inquérito não possa julgar o processo.

Última coisa interessante é um parágrafo que quase fala por si: "No presente caso concreto, ainda que se reconheça que os réus possuem endereço fixo no distrito da culpa, posto que, como noticiado, o apartamento onde os fatos ocorreram foi adquirido recentemente pelos mesmos para ali estabelecerem seu domicílio, com ânimo definitivo, além do fato de Alexandre, como provedor da família, possuir profissão definida e emprego fixo, além de não ostentarem outros antecedentes criminais e terem se apresentado espontaneamente à Autoridade Policial para cumprimento da ordem de prisão temporária decretada anteriormente, isto somente não basta para assegurar-lhes a manutenção de sua liberdade durante todo o transcorrer da presente ação penal [...]." Se isso não basta para mostrar a desnecessidade de uma prisão preventiva, o que será que basta? E mais, são os réus quem tem de provar esta desnecessidade?

João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)

Um comentário:

Fernandinha disse...

Como assim absurdo, João??? O acautelamento dos réus foi para "restabelecer o abalo gerado ao equilíbrio social por conta da gravidade e brutalidade com que o crime descrito na denúncia foi praticado...".
Ora, se era para "restabelecer o abalo" que ficassem soltos mesmo!!!
Gostei de ver o Escritório representado na Globo News, no Em cima da hora, as 8h.