quarta-feira, 23 de abril de 2008

MARQUE O TEMPO - ou pratica o crime



À mídia interessa vender jornais, revistas e principalmente audiência, seja de TV, rádio ou de acesso à internet. Despertar na população algum sentimento torna-os dependentes destes produtos. Se o sentimento for intenso e durar algum tempo, mais garantido o êxito e melhor. Quanto mais forte e duradouro, maior o lucro.

Não condeno a imprensa por isso, já que todos têm que sobreviver. Muito menos o povo, sugestionável por natureza, que também têm que sobreviver, massa propícia à adoção de soluções imediatistas por serem leigos no assunto e em geral qualquer.

Está formado o ciclo: cobertura do fato, sensacionalismo – que nada mais é que despertar na população algum sentimento profundo -, revolta, julgamento popular sumaríssimo – sério risco de linchamentos – pressão sobre polícia, governo e judiciário – sobre o legislativo vem logo após.
O risco de se culpar midiática ou juridicamente algum inocente está configurado. Geralmente já há a primeira, com conseqüências que jamais poderão ser reparadas. O caso mais emblemático foi aquele da escola no interior paulista. Após a mídia denunciar abusos sexuais com crianças e seus diretores e professores serem perseguido e quase mortos, constatou-se ser tudo mentira.

Vivi isso de dentro por vezes, mas a principal das experiências se deu quando ainda era estagiário de direito. Um caso no Rio que na época gerou intenso clamor público. Cheguei um dia no escritório e comentei com meu então chefe sobre o caso, o que havia lido nos jornais e visto na televisão. Após trocarmos idéias, ele me disse que o caso estava nas mãos de um criminalista amigo dele. Ao retornar ao escritório depois de mais um dia de fórum e delegacias, eis a surpresa: o amigo havia o convocado para atuarem juntos. Na mesma noite estava eu, estagiário, aparecendo na TV na prisão do coitado, há treze anos, fato que acabei revendo há três anos num programa de televisão. Todas as reportagens sobre o caso traziam dados irreais, mentirosos, que não estavam nos autos do inquérito policial. Nele as únicas provas que apontavam ao nosso cliente eram no mínimo muito duvidosas e a maioria produzida. Depoimentos tomados sob pressão, perícias falsas e reconstituição programada eram a tônica das investigações policiais. Tudo para proteger alguém. O Delegado de Polícia, que deveria ser imparcial para apurar a prática do crime, prometeu ao meu então chefe “comer a carteira se não conseguisse uma condenação para o fulano”, cliente. Como acabou absolvido, este meu antigo chefe dizia que convidaria o Delegado para almoçar...

Desde então desconfio do que é noticiado na imprensa. Ou seja, se aquele veículo de comunicação está sendo fidedigno aos autos e, em outras palavras, se o que está sendo afirmado é o que a polícia realmente fez e concluiu, se é a verdade (pelo menos processual).
Bom, devido a este meu trauma, nada mais natural que desconfie do que está sendo dito no caso Isabella Nardoni.

Não acho o trabalho policial mal feito. Concordo, porém com a desnecessidade da prisão temporária. Esta, para quem não sabe, se dá pela necessidade da investigação policial. Ouvi gente dizendo que com isso eles não combinariam versões. Ora, preso não é incomunicável – ao contrário de ditaduras – e seria perfeitamente factível combinarem versões mesmo presos. Não tenho dúvida de que a prisão temporária se deu – como na maioria esmagadora se dá - como amostra para a mídia. Tanto é que o Desembargador do TJ de São Paulo a revogou após nove dias, não só por desnecessidade, como por ausência de indícios mínimos de autoria, o que fez questão de frisar. A polícia, no entanto, joga com o seguinte: “agente prende e a justiça solta”, como se a prisão já fosse uma condenação, coisa que a população não sabe. A população, de maneira equivocada pela falta de informação, crê que a prisão cautelar se dá pela culpa.
Da mesma forma, penso que a autoridade policial deveria ter isolado o local, conforme o Código de Processo Penal, o que não foi feito e que ensejou a realização de diversas perícias com o local já desfeito.

Pior é a famigerada “prova” que a imprensa a todo tempo suscita como contradição entre os horários fornecidos pelo casal. Alguém em uma situação comum, voltando do supermercado, vai precisar exatamente a que horas chegou em casa ou em quanto tempo subiu e desceu? Contradição porque um disse 11:20/11:30 e outro 11:30 ? Porque um disse que ficaram tanto tempo em tal lugar e outro disse diferente? Esta “prova” tão explorada pela mídia leva certamente a uma absolvição. Fato é que a imprensa, em julgamentos ditos como debates ou informativos de jornais escritos ou televisionados, acaba no afã do sensacionalismo explorando irracionalidades como esta. Se incompatibilidade de tempo entre uma ação natural e outra dada por cada ente do casal for considerado prova, como tanto tem dito a mídia, tendo a considerar o casal inocente.

Mas como ia dizendo, não acho que o trabalho policial fora mal feito. Quero saber se o que está sendo dito pela imprensa é realmente o que está no inquérito. Ademais de ter tido sangue no carro, segundo a imprensa, depois não ter tido, depois ter tido novamente e por fim não saberem se houve sangue ou não, quero saber o resultado e se a perícia fez de forma competente e imparcial.

Apenas não abro mão da crítica no caso ao Ministério Público. Sabemos que pode acompanhar o inquérito e até requisitar diligências policiais, pois ao fim a ele se destina, mas desde o início externar convicção que só deve ser formada ao final, torna-o suspeito para exercer a acusação.
Vejo a população convictamente revoltada com o casal suspeito. Por favor, não me refiro às pessoas que ficam de plantão na porta da casa deles ou da delegacia, pois é claro que são tietes propositadamente histéricas para aparecer na televisão – como até flagrado pela TV Globo (uma senhora falando para outra “quero aparecer na TV”). Refiro-me às pessoas que trabalham e não têm tempo para isso, que têm certeza da culpa do casal. Pessoas de bom senso geral, digamos assim, e que formam suas opiniões com os fatos da mídia, apenas. Querem linchá-las, assassiná-las, num afã justiceiro sem ao menos parar e ver que por ora não há prova para isso. Claro que não descarto a possibilidade de culpa do casal e até de que eles hoje são os principais suspeitos. Mas hoje, simplesmente os principais suspeitos.

Independente da culpa dos Nardoni, estamos diante mais uma vez de algo perigoso. Voltemos à equação inicial. Caso sejam inocentes, existe ainda hoje essa possibilidade, imagine o terror que estão vivendo. Ele perdeu uma filha assassinada e ainda acusado disto. Ela tem duas filhas e a tinha como outra. Eles não podem sair na rua, pois serão mortos. Desnecessário narrar o que os familiares estão vivendo. Desnecessário explicar a injustiça. Podem ter sido os autores, mas não há provas suficientes para esta execração pública. Aliás, independente disso, nada a justifica.

Gostaria de confrontar aqueles que bradam por impunidade, com a realidade do sistema penitenciário nacional, para refletirem se tantos anos são realmente poucos para aquele crime. Não levo em conta os que consideram a pena de morte, mas aqueles que como todos os mortais cometem crimes, em tese, todas as semanas (atenção aos contra a honra).

Sinceramente, por fim, torço neste caso Isabella, para que o casal seja inocente e principalmente que isso advenha da forma mais clara, rápida e inconteste possível. Torço porque seria uma grande lição para o amadurecimento da população e da mídia. Aliás, há quanto tempo você está lendo este texto?

BRENO MELARAGNO COSTA
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