De volta, depois de um tempo de falta de tempo - com o perdão do paradoxo -, uma questão razoavelmente antiga, mas ainda importante, merece os nosso comentários. Estou falando da questão da moralidade como requisito para o deferimento da candidatura eleitoral. A questão não é nova, porque desde pelo menos a útlima eleição alguns Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) entenderam indeferir o registro da candidatura de postulantes que tivessem processos em andamento perante e Justiça Penal - a popularmente chamada "ficha suja". Tais postulantes recorreram, a questão chegou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, finalmente, eles conseguiram ter as suas candidaturas registradas (TSE, RO n.° 1.069, rel. min. Marcelo Ribeiro, j. 2006). Já naquela época, em que se tratava de eleições mais importantes, por assim dizer, porque envolviam cargos de maior hierarquia na estrutura federativa brasileira, muito se chiou, principalmente na grande imprensa, contra a decisão do TSE. O argumento não-jurídico, repetido agora, ia mais ou menos assim: como pode a justiça permitir que pessoas que respondem a diversos processos penais se candidatem a um cargo de poder republicano? E o argumento jurídico: sendo a moralidade e a proibidade requisitos para a capacidade eleitoral passiva - elegibilidade - (art. 14, § 9° da Constituição de 1988) os candidatos que tinham "ficha suja" não poderiam ser eleitos, haja vista que não preenchiam tal requisito.
Nas vindouras eleições, novamente a questão vem à tona. Só que, agora, há uma espécie de disputa institucional dentro da magistratura a seu respeito. É que, de novo, o TSE, por uma ainda mais apertada maioria (4 a 3) decidiu ser inconstitucional o indeferimento do registro da candidatura de alguém com base em apreciações sobre a sua folha de antecedentes criminais ou sobre a lista de processos a que esse alguém possa estar respondendo. A diferença, como dito, é que a decisão, desta vez, gerou uma reação múltipla em várias frentes institucionais. O próprio presidente atual do TSE, min. Carlos Britto, já deu mais de uma entrevista dizendo que discorda da decisão - posição, de resto, já manifestada em voto vencido no julgamento acima citado. Também a grande imprensa vem se posicionando cada vez mais claramente contra a mesma decisão, alegando que macula a lisura eleitoral e fomenta a corrupção. Da mesma maneira, o Colégio de Presidentes dos TREs se posicionou contra ela (clique aqui) e já disse que apóia que os TREs não sigam a orientação do TSE - o que, na prática, pode inviabilizar uma campanha eleitoral, paralisada até que o demora TSE reforme a decisão inferior, algo, inclusive, expressamente levantada pelo presidente do TRE/RJ, des. Roberto Wider. Por fim, e também ativamente contrária à orientação do TSE, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) lançou um sítio na internet em que, além de fomentar o combate à corrupção eleitoral, há um link para uma lista de candidatos que respondem a processos na justiça (clique aqui).
Obviamente, a mobilização da sociedade civil - ainda que por meio de magistrados - apontando para a necessidade do voto consciente e da luta contra a corrupção político-eleitoral é louvável. Contra isso, nem os sólidos e corretos argumentos jurídicos vencedores nas decisões majoritárias do TSE - o principal: não existe causa de inelegibilidade na Lei Complementar 64 de 18.05.1990, regulamentadora do citado § 9° da constituição, que preveja a hipótese da "ficha suja" ou processos em andamento; o segundo: direito à presunção de inocência (art. 5°, LVII da Constiução de 1988) -; contra isso, nem tais argumentos podem constituir instrumento válido de crítica. Toda mobilzação social para debate de idéias e formação político-social de opinião e vontade devem ser valorizados, venha de que setor social venha.
O problema político, mais importante do que o jurídico, neste caso, e do ponto-de-vista da democracia, é que a mobilização contra o deferimento da candidatura dos "fichas-sujas" não vem em favor da liberação da formação democrática da vontade eleitoral, senão vem para considerá-la viciada por presunção e carente de tutela. Veja o caro leitor: qual o fundamento - político - para declarar inelegíveis - ou seja lá o termo de eufemismo jurídico que se queira - candidatos que ainda não perderam seus direitos eleitorais como efeito de uma condenação penal ou de improbidade administrativa? Em outras palavras, a que serve, politicamente, o embarreiramento da candidatura de quem tem processos contra si em curso?
A resposta é simples: o medo de que candidatos nessa situação sejam eleitos e, uma vez empossados, além de terem mais acesso a fontes de corrupção, ainda gozem de eventual foro privilegiado. Simples mais insatisfatória. Notem que, para qualquer pessoa ser eleita, com o perdão do truísmo, é necessário que ela alcance uma votação tal que a permita ser declarada eleita - majoritária ou proporcionalmente. Isso quer dizer que é preciso que as pessoas, os eleitores, os cidadãos, efetivamente, votem no tal candidato; e votem em um bom número - à parte, por óbvio, o abuso de poder político ou de poder eleitoral, estas, sim causas legais expressas de inelegibilidade. Então, o medo é de que os eleitores, os cidadãos, sejam iludidos por estes candidatos "sujos", os quais candidatos acabariam, com isso, eleitos. Ora, isso equivale a dizer, como mencionado acima, que os pobres eleitores, que não sabem votar, precisam ser "protegidos" desta influência eleitoral indevida. E quem os protegerá, senão o poder judiciário, o pai de todos os "pobres" cidadãos, e guardião da moral e da ética social - especialmente no que tange às eleições?
Será que, um dia, vamos achar que o cidadão deve poder escolher votar no candidato que ele quiser, independemente da apreciação judiciária - sempre demasiado subjetiva - sobre a ética ou a moral deste candidato - excluídos o caso de perda de direitos políticos por efeitos legais diretos da condenação, conforme já dito? Será que um dia vamos considerar que pedagogia cívica só se dá - só se pode dar - com autonomia privada e autonomia pública plenamente garantidas e que, do contrário, temos, ao revés da autonomia, tutela estatal, seja em que poder ela estiver? Será que vamos ter, algum dia, um país de cidadãos?
João Pedro C. V. Pádua
(www.melaragnocpadua.com.br)
* * *
Em tempo: faço coro à deliciosamente capiciosa pergunta do portal Migalhas (http://www.migalhas.com.br/), sobre a atitude da AMB, de, digamos, fiscal eleitoral: será que a AMB vai também fiscalizar o próprio judiciário, fiscalizador das eleições, e colocar em um pomposo anexo do seu site uma lista de juízes que respondem ou responderam a processos - e, quem sabe, representações disciplinares?
terça-feira, 1 de julho de 2008
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